sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Um Instante

Andava com a sensibilidade à flor da pele. Bastava um instante para que um sorriso ou uma lágrima brotasse. Podia ser o espreguiçar do gato, uma voz na tv, uma bola jogada, o choro de uma criança. Qualquer coisa.
A seu lado, as pessoas não entendiam. Por que essa lágrima? Esse sorriso de onde vem? E quando vinha um sorriso junto com uma lágrima, era inexplicável.
Quer dizer, podia ter uma explicação. Mas, quando alguém lhe perguntava, a resposta era sempre a mesma:
_ Você pode até entender, mas não vai compreender.
O ouvinte, quase sempre, ficava boquiaberto. Mas, a conversa parava por aí. Qualquer pergunta a mais, tinha como resposta apenas o silêncio acompanhado de uma lágrima ou de um sorriso. Ou de ambos.
Aos poucos, todos se afastaram. Era constrangedor.
O que não sabiam era que, nos últimos meses, sua vida se transformara muito. De repente, em um exame médico de rotina, uma notícia ruim: tinha uma doença rara. Em alguns meses, estaria sem visão e audição.
Essa notícia foi comunicada friamente por um profissional da saúde que lhe dissera:
_ A qualquer momento, em um instante, você perderá a visão e a audição. Não há o que fazer. Não há o que tomar. Passar bem!
Qualquer cena, qualquer som eram emotivamente recebidos. Pela alegria de ainda serem vistos ou ouvidos. Pelo medo de que fosse o último.
Era assim, que entre lágrimas e sorrisos, aguardava o instante em que já não veria ou ouviria. Imaginava que seria o penúltimo. Planejava o último, mas talvez não tivesse coragem.
No fundo, assim como na caixa de Pandora, tinha a esperança que na memória recriaria as imagens e os sons que a todo momento poderiam ser os últimos. Sem visão ou audição, se refugiaria no mundo da imaginação.

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