sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Entre Quatro Paredes em 2116

Acordou com pouco ânimo naquela manhã fria no inverno curitibano de 2116. O que vira com seu holovisor portátil na noite anterior lhe deixara muito triste. No trecho que holovira, conflitos violentos em todas as regiões do planeta evidenciavam a impossibilidade do convívio entre os humanos.
A tecnologia da holovisão evoluíra a partir do cinema 3D que se aperfeiçoou muito no começo do século 21. Já não era mais preciso usar óculos especiais para simular a realidade por meio de imagens tridimensionais. Em 100 anos, uma rede mundial de holocamaras foi instalada em todas as regiões habitadas da Terra. Estas captavam e transmitiam, em tempo real, tudo o que acontecia fora da proteção de quatro paredes. Era a globalização da tecnologia que surgira com o apoio de satélites ao redor da Terra que mostravam, nos primeiros anos do século 21, detalhes das ruas e estradas espalhadas pelo mundo que eram visualizadas nos diferentes instrumentos de informação e comunicação. A junção dessas tecnologias e seu aperfeiçoamento permitiu que surgisse a Holovision Earth Network, fusão de algumas empresas gigantescas, que havia se tornado mais poderosa que os governos dos países e passara a dominar as formas de comunicação entre os humanos. A comunicação global se tornaram um negócio regulado e operado pelo mercado. Uma instituição que tinha um caráter divino para uma parcela cada vez maior da humanidade.
A tecnologia da holovisão, no início, tinha um módulo de teletransporte. Esta surgiu como um novo sistema de vigilância que dava às forças policiais uma visão mais detalhada e abrangente dos espaços públicos. O módulo de teletransporte permitia que os agentes de segurança fossem imediatamente movidos para os locais onde sua ação fosse necessária. Mas, algumas dificuldades tornaram inviável este modo de operação. Os seres humanos, quando eram teletransportados, ficavam atordoados por cinco minutos. Este atordoamento fazia com que a ação de repressão a conflitos se tornasse ineficaz. Os agentes de segurança eram facilmente dominados pelas pessoas envolvidas em situações conflituosas, às vezes, com consequências drásticas para sua integridade física. Assim, o teletransporte foi abandonado, mas passou-se a utilizar a holovisão reversa em questões de segurança. Holoimagens de agentes de segurança eram enviadas para os espaços onde os conflitos ocorriam. Por incrível que pareça, isto fazia com que os conflitos cessassem. Mas, era um efeito temporário. Tão logo as pessoas percebiam que os agentes de segurança eram holoimagens, estes passavam a ser ignorados. 
Assim, a Holovision Earth Network acabou deixando o mercado da segurança pública e voltou-se para o mercado global da informação e comunicação. Essa tecnologia levou à bancarrota as antigas redes de televisão que ainda ofereciam programas de notícias, documentários, filmes e outras formas de comunicação por imagens. Com os holovisores a humanidade tinha acesso a qualquer parte do mundo em tempo real e em três dimensões. A holovisão, também, exterminou a indústria do turismo. Não havia mais necessidade de viajar para conhecer lugares. Nos tempos da antiga internet isto já estava acontecendo. Era possível visitar muitos lugares por meio da internet, só que esta não era tridimensional. Agora, além de ser tridimensional, a holovisão trazia o som real dos acontecimentos conforme eles iam se desenrolando.
Mas, por que tanto desânimo?
Naquela fria manhã de Curitiba, se dera conta de que a humanidade falhara. Os humanos eram cada vez mais longevos graças aos avanços da medicina preventiva e curativa, mas não se conseguira alcançar a paz entre os humanos. Na essência continuávamos a ser um bando de guerreiros. Qualquer diferença de opinião era motivo de briga. As tecnologias de informação e comunicação que surgiram ao longo de mais de 300 anos permitiram que os humanos se informassem cada vez mais, mas não levaram à verdadeira comunicação, os diferentes agrupamentos humanos não se entendiam. A convivência era impossível. Só lhe restava desligar o holovisor e, entre quatro paredes, esconder-se da holovisão e dos humanos.

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