domingo, 27 de fevereiro de 2022

Crônicas na Holanda 20 - Sobre o que escrever?

Sobre o que escrever? Me pergunto. Quatro meses e meio na Holanda. Paises Baixos! Alguém, certamente, poderia ou quereria me corrigir. Mas, minha escolha sobre como nominar este país, você encontrará na primeira ou segunda crônica desta série. Ou será na terceira?
A memória, ou melhor, a falta dela me impede a certeza. E a preguiça me força a deixar com você, leitora ou leitor, a possibilidade da descoberta. Vai lá, por favor! Assim, você resolve a questão e, melhor ainda, contribui com as estatísticas do meu blog. Vaidade do autor!. Eu sei. Mas, como humano, tenho minhas fraquezas. Quem não  as tem?
Por aqui, como no mundo, as notícias são diversas. Boas e más. Entre as últimas, está a estupidez da guerra. Mais uma! Entre as mais de duas dezenas de conflitos armados que se espalham pelo nosso planeta. Com ela, é inevitável sentir alguma apreensão. Diferente das outras, esta acontece mais próxima de nós. Além da solidariedade com a dor do outro povo, há a esperança de que não se espalhe e acabe logo.
Entre as boas, parece que a pandemia vai suavizando. Desde sexta-feira, não precisamos mais mostrar comprovante de vacinação em lugar algum. Máscaras deixaram de ser obrigatórias, exceto em estações e meios de transporte público. Internações e mortes se reduzem, apesar da taxa de infecção ampliada. Parece que a vacinação trouxe frutos positivos. Nesse campo, uma dúvida: em duas semanas poderei tomar a terceira dose da vacina aqui; devo fazê-lo? Será a quinta dose, visto que tomei duas no Brasil.
No campo dos estudos, vai tudo bem. Obrigado! Poderia ser melhor? Sim. Poderia ser pior? Também. Ou seja, faço o que posso. E, as vezes, me sinto realizado. Como hoje, quando fui capaz de refletir e modelar de forma abstrata o fenômeno que estudo. Sei que a sensação de sentir-se realizado é passageira. Logo vem o desejo de mais. Mas, hoje foi o dia das pecas juntarem-se como um quebra-cabeças resolvido. Prefiro, porém, a imagem de um caleidoscópio. Pode ser que as partes se misturem novamente. E, um outro olhar me ofereça outra imagem. Assim, o conhecimento vai surgindo. Também provisório. Incompleto. A cada momento, com o que outros e outras me dizem, novas imagens se formam.
Enfim, para quem não sabia o que escrever, a crônica surgiu leve. E na leveza desta escrita, trago a esperança que os artefatos humanos sirvam apenas para nos harmonizar com a natureza. Como esta fotografia que fiz ontem. Que juntos, artefatos e natureza nos afastem da guerra e nos aproximem do amor. 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

A LENDA DO MORTO-VIVO DO CEMITÉRIO SÃO PEDRO

Esta história me foi contada por meu pai. Várias vezes! Eu adorava ouvi-la. Para alguns é uma lenda urbana. Meu pai dizia que tinha acontecido mesmo. Foi assim:

Era nove de dezembro de 1955. Londrina, no dia seguinte, completaria o primeiro ano de sua terceira década.  Aniversário de 21 anos. Se fosse humana, chegava à maioridade. Assim como alguns e algumas que nasceram naquele longínquo ano de 1934, nos primórdios da história londrinense. A festa de aniversário da cidade seria inesquecível. E a história que Gervásio presenciara na véspera se tornaria uma lenda urbana londrinense.

Além dos que nasceram na cidade, aumentando a população, somando-se aos numerosos imigrantes de várias partes do Brasil e de outros países, havia também os que morriam. A inevitável dinâmica populacional. De qualquer forma, o número de nascidos e imigrantes era maior do que o de mortos e a população crescia. Na região central da cidade, o cemitério São Pedro acolhia os que faziam a passagem para o além. Independente dos credos, ou da falta de um, era lá o destino dos que se subtraíam à população local.

Gervásio era londrinense, mas nascera quatro anos antes da emancipação de Londrina como município, em 1930. Estava no frescor dos seus 25 anos. Na madrugada da véspera do aniversário da cidade, por volta das cinco horas, Gervásio caminhava pela rua Alagoas. Na escuridão da noite nublada, as lâmpadas pequenas e amarelas penduradas nos postes de madeira, iluminavam fracamente as calçadas e as ruas nas proximidades do Cemitério São Pedro. À distância, Gervásio enxergou a carroça do padeiro. Estava parada um pouco além do portão central do cemitério, que ficava na esquina com a rua São Paulo. Gervásio, mesmo à distância e com a baixa luminosidade, viu Osvaldo saindo do portão de uma das casas. Reconheceu o amigo padeiro. Sabia que Osvaldo fazia a entrega de pães e leite na região central. Gervásio agradeceu a providência divina de permitir o encontro. Estava com fome, pois saíra da casa de Terezinha antes dela acordar. Não fez café para não a incomodar. Fez o sinal da cruz em agradecimento e em respeito à aproximação do cemitério e pôs-se a caminhar em direção ao padeiro.

Gervásio, como todo humano, apesar da crença religiosa, não deixava de cometer seus pecados. Depois, nas conversas com seu divino protetor, pedia o perdão. Naquela madrugada, ele saíra mais cedo da casa de Terezinha, do que nos dias anteriores. Era uma sexta-feira, dia que saía mais cedo. Professora do então ensino primário, Terezinha era casada com Dorival, representante das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo no norte do Paraná. Dorival era o que se chamava naquela época de "viajante". De segunda a quinta, visitava os varejistas da região de Apucarana e Maringá, tirando os pedidos que seriam enviados ao escritório central da Matarazzo em São Paulo.

Voltava para casa nas manhãs de sexta e fazia a praça local aos sábados. Começava com a visita à Casa Gimenez de Christovam e Kilda, casados há apenas dois anos. Dorival tirava o pedido semanal do Gimenez. Era sempre um pedido de bom tamanho. A Casa Gimenez já tinha um bom movimento naquela época e vendia muitos dos produtos da Matarazzo, em especial os óleos e sabões. Muito próximo à residência de Terezinha e Dorival, a Casa Gimenez ficava na esquina da Paranaguá com a Goiás. Christovam e Dorival eram amigos e conterrâneos de Sertãozinho, de onde imigraram para Londrina no final dos anos 40. O amigo, de vez em quando, ajudava Dorival a cumprir a meta de vendas, comprando um pouco mais do que o usual, quando os pedidos na região de Apucarana e Maringá tinham sido fracos. Os produtos Matarazzo eram venda certa. Gimenez, como a maioria dos fregueses e viajantes o chamavam, sabia do rolo entre Terezinha e Gervásio, mas não dizia nada ao corno. Também era amigo de Gervásio. Cidade pequena! Não ia se intrometer no triângulo amoroso. Só observava e se divertia com as histórias que Gervásio contava nas tardes de sábado. Gervásio se tornara freguês da Casa Gimenez desde que começara a visitar Terezinha.

Enquanto Dorival estava fora visitando os varejistas de Apucarana e Maringá, Gervásio visitava Terezinha. Nesses dias esquecia o mandamento de não cobiçar a mulher do próximo. Lá no final da rua Alagoas, em uma casa de madeira, na esquina da Antonina, sem vizinhos ao lado e à frente, o ex-aluno trocava juras de amor com a ex-professora e, também trocava o “óleo”. Como contava para o Gimenez, entrava com o bruto, fazia o balanço e deixava o líquido. Gervásio era técnico em contabilidade e trabalhava no escritório que atendia o Gimenez. Entre os risos, Christovam só recomendava:

_ Cria juízo Gervásio! Um dia essa história pode feder.

Naquela madrugada fresca, Gervásio apressou o passo para se aproximar do amigo padeiro. Mas, assim que começou a andar mais rápido, viu o amigo subir na carroça, chicotear o cavalo e sair em disparada. A porta do compartimento da carroça ficou aberta e muitos pães caíram na rua. Espantado, Gervásio correu, mas não conseguiu alcançar o padeiro. Ao se aproximar, do portão central do cemitério, viu Valdomiro do lado de dentro. Valdomiro era um dos poucos mendigos da Londrina daquela época. Vivia pelas ruas e dormia em algum canto qualquer no centro da cidade.

Gervásio perguntou a Valdomiro o que acontecera. Valdomiro disse que havia ficado preso no cemitério, no dia anterior, quando bêbado, ao final da tarde, entrou no cemitério e dormiu em um dos cantos, encostado em uma árvore. Acordou com o barulho do padeiro. Subiu em um caixote de madeira e, com a cabeça acima do muro, se dirigiu ao padeiro:

_ Bom dia. Me dá um pão.

E o padeiro fugiu em disparada. Gervásio e Valdomiro caíram na gargalhada. Gervásio pegou um pão doce para ele. O pão doce que Dorival entregava nas casas era uma delícia! Me lembro bem dele, pois quando criança, anos depois, eu adorava comê-lo, lambuzando as mãos com o açúcar cristal que o cobria. Esse pão doce era feito pela mesma padaria que fornecia pães para venda na casa Gimenez. Gervásio deu o resto dos pães para Valdomiro que ainda teria que esperar o coveiro abrir o portão mais tarde.

Naquele sábado, ao final da tarde, Gervásio foi na Casa Gimenez comprar alguma coisa e contou o ocorrido ao meu pai. Foi assim que surgiu a lenda do morto vivo que assustou o padeiro na rua Alagoas em frente ao Cemitério São Pedro. Como dizia meu pai, isto aconteceu mesmo. O restante da história? Talvez seja fruto de minha imaginação!

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Crônicas na Holanda 19 - Sobre a natureza humana ou que lobo você está alimentando?

Na última terça-feira, tive a oportunidade de falar a uma turma de mestrandas e mestrandos da Utrecht University. Minha fala foi sobre empreendedorismo no Brasil. Mais do que uma atividade obrigatória que eu havia planejado para meu período de pós doutorado, desejava muito poder interagir com jovens estudantes. 
No longínquo10 de março de 2020, poucos dias antes da suspensão da aulas na UFPR devido à pandemia de Covid eu dera minha aula inaugural para mais uma turma de graduandos em Administração. Quase dois anos depois, afastado das salas de aula,  sentia falta de ouvidos interessados, ou não, naquilo que falasse. De olhares atentos, ou não, naquilo que eu pudesse compartilhar. Das poucas perguntas,  ou, até mesmo, do silêncio constrangedor que indicaria o momento de encerrar a aula.  Sentia falta de gente! Bem como da possibilidade de falar sobre um tema que me acompanha nessa carreira acadêmica que já passou de quatro décadas.
Depois da aula, saio do prédio e me encaminho ao pátio da universidade. Chegara a este por outra entrada. Queria conhecer o que havia do outro lado. Era minha primeira vez neste espaço da Utrecht University que se esparrama por vários cantos da cidade. Surpresa! Ao centro do pátio, uma estátua de Gandhi. Devidamente fotografada com a intenção de usá-la em alguma crônica. Não imaginava, porém, que isso aconteceria tão rapidamente. Apenas quatro dias epois, Gandhi ocupa um quarto da ilustração desta crônica.
Volto à longínqua aula de março de 2020. Era a primeira aula da disciplina de Direito nas organizações. Devido à falta de um professor, me ofereci para assumir esta turma de primeiro período do curso de Administração. 
Um desafio! Afinal, não tenho formação em Direito. Mas, consistente com minha visão do que é ser professor de Administração, me coloquei à disposição da turma para juntos, buscarmos informação sobre como este campo de conhecimento pode apoiar a ação administrativa. Na primeira aula, após explicar a situação à turma, começamos nossa jornada conversando um pouco sobre partes da nossa Constituição e como ela condiciona nossa atuação profissional e como cidadão também.
Um pouco antes, eu expusera minha crença na natureza de boa índole do ser humano. E, mais importante, de como a liberdade de cada um de nós poderia, naquele contexto de aprendizagem, nos guiar na busca do conhecimento que cada um considerasse relevante. Meu papel de professor, disse a eles, não incluía ser fiscal ou juiz da qualidade da aprendizagem de cada um. Na educação sigo o princípio da aprendizagem experiencial de Carl Rogers: o melhor avaliador da aprendizagem é aquele que aprende, não o que "ensina".
Agora, volto ao momento presente. Sábado de manhã em Utrecht. Caminho em direção ao centro. Além de algumas compras, um passeio por esta cidade que me encanta a cada novo olhar. No meio do caminho, uma estátua de Anne Frank. Embora, já tivesse passado por ali antes, o monumento me passara desapercebido. Mais uma fotografia. Além de registro para uma lembrança visual de minha estada por aqui, poderia ser usada em uma crônica futura. Como você pode ver, é outra quarta parte da ilustração desta crônica. Foi rápido!
Sigo em direção a uma livraria. Perguntei sobre os livros em inglês. Além das aulas, tenho sentido falta do manuseio de um livro impresso. Entre as opções, um me chama a atenção pelo título: Humankind a hopeful history (Humanidade uma história esperançosa). Após folheá-lo rapidamente, a escolha está feita. Passo pelo caixa. Faço o pagamento e agradeço em holandês (Dank je wel). Surpresa, a atendente de origem oriental, com quem até aquele momento eu conversara em inglês, sorri e me dá um até logo em holandês (Tot ziens).
Acomodado em um café, começo a ler o livro de Rutger Breman. Jovem historiador holandês que, logo nas primeiras páginas, me conquista com seu estilo agradável de escrita e pela esperança que parece trazer a nós humanos em um momento tão complicado. 
Não! Ele não fala da pandemia! Pelo menos até onde li. Mas, parece trazer uma mensagem de esperança. A esperança que está no título de seu livro. E que começa afirmando que, ao contrário do que a maioria acredita, o ser humano é por natureza bom. Uma crença que compartilho. Muitos, ao saberem de minha descrença religiosa, já me perguntaram:
_ Fernando, em que você acredita?
Minha resposta sempre foi:
_ Acredito na humanidade.
Assim, não é nada surpreendente que o livro de Rutger Bregman tenha chamado minha atenção. No prólogo do livro ele conta algumas passagens sobre a segunda guerra mundial. De cuja história, Anne Frank é um ícone trágico. Porém, o autor tenta mostrar, que mesmo na guerra a bondade humana esteve presente. Aliás, embora Rutger no trecho que li não mencione Anne Frank, sua história também evidencia a presença da bondade humana.
Mais à frente, no primeiro capítulo, Rutger cita uma frase de Gandhi. Olha que coincidência! Gandhi se recusava "a acreditar que a tendência da natureza humana fosse sempre para baixo". Rutger cita esta fala de Gandhi junto com uma de Nelson Mandela: "a bondade do homem é uma chama que pode ser escondida, mas não extinta".
Foi no prólogo, no entanto, que o autor contou algo que me estimulou a escrever esta crônica, mesmo não sendo domingo. Domingo que é dia de crônica! Rutger Bregman resgata uma parábola que circula pela internet:
Um velho homem diz para seu neto: "Há uma luta acontecendo dentro de mim. É uma luta terrível entre dois lobos. Um é mau - raivoso, ambicioso, invejoso, arrogante e covarde. O outro é bom - pacífico, amoroso, modesto, generoso, honesto e confiável. Estes dois lobos também lutam dentro de você e de todas as pessoas". Depois de algum tempo, o neto lhe pergunta. " Qual lobo vencerá?". O avô sorri e responde. "Aquele que você alimentar".
Assim, nada mais justo que a capa do livro seja mais uma quarta parte da ilustração desta crônica. 
E, para completar a ilustração, adicionei a fotografia de uma escultura feita por Jits Bakker. Escultor holandês que tem parte de suas obras expostas em um museu ao ar livre em De Bilt, próximo a Utrecht. Fiz esta fotografia quando lá estive. 
Como você pode ver, na escultura estão dois ciclistas, também um ícone desse país em que estamos temporariamente vivendo. Mas, no contexto desta história esperançosa que comecei a ler, esta escultura traz um significado próprio para mim. A sabedoria popular diz que algumas coisas são como andar de bicicleta. Depois que a gente aprende, nunca se esquece. Assim, é com a bondade. Depois que você a prática, sempre a praticará.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Crônicas na Holanda 18 - Sinais ou As aparências enganam.

Nas caminhadas por Utrecht, presto atenção aos sinais. Sejam naturais ou obras de mãos humanas, eles comunicam. Mas, às vezes podem enganar. Assim como as aparências, como bem nos lembra a sabedoria popular. 
Na fotografia que abre esta crônica, há três deles: flores brotando nas manhãs ensolaradas, um poste que sinaliza um toalete para cachorros (honden) e uma rua tranquila e pacífica com um alerta da polícia. Neste 120°. dia de vida em terras holandesas, mostro que nem tudo é o que parece ser. As aparências enganam. Vamos por partes, como diria o famoso Jack, o estripador londrino que foi apenas personagem da literatura. Mas, vítima frequente dessa piadinha que chega a ser quase infame.
Começo pelas flores. Há três dias, percebi esas pequena flores brotando nos gramados ao longo de calçadas e praças. Parece até que a primavera já está chegando. Mas, que nada! A primavera, oficialmente, começa apenas em 19 de março. Em 34 dias, portanto. Mas, com as manhãs ensolaradas que temos tido, as plantinhas começaram a brotar. Afinal, elas não sabem que os humanos decretaram o começo da primavera apenas para março. No entanto, para nós as aparências enganam. As floradas não estão sinalizando o fim do inverno. Bem como, as casas junto às flores não estão sob as águas do Rembrandtkade, nome do canal  às margens do qual tirei a fotografia. As aparências enganam!
Também às margens do Rembrandtkade, na vizinhança de um templo religioso, está esta rua aparentemete segura e tranquila. Ledo engano! Como alerta a placa colocada pela polícia local, os amigos do alheio andam pela redondeza. Basicamente, a recomendação é não deixar nada dentro dos carros, pois se nada está dentro nada vai para fora (niets er in... niets er uit!). As aparências, de novo, enganam.
Concluo, enfim, pelo mictório para cachorros. Que não é o que parece ser. Hond e seu plural honden foi uma das palavras iniciais de meu aprendizado da língua holandesa. Ao tentar falar de Kennedy, nosso schnauzer, em uma das primeiras lições de holandês aprendi como dizer cachorro nesta língua. No primeiro passeio a um parque, ainda em Amsterdam, vi um destes pequenos postes com a plaquinha escrita "honden toilet". Fiquei surpreso e, ao mesmo tempo, achei muita graça. Pois imaginei que o pequeno poste seria um mictório para cachorros.
Na mesma praça havia um tradicional mictório para homens em que é possível ver quando um está mijando, pois o mictório encobre apenas um terço do homem. Ficam visíveis as pernas, peito e cabeça. Se o homem tem um mictório em praça pública, por que não haveria um para o melhor amigo do homem?
Mas, não é nada disso. Nesses quatro meses que estamos por aqui, nunca vi um cachorro fazendo uso dos postes que estão presentes em todos os parques que já visitei neste país. E olha que tem muto cachorro por aqui. Das mais variadas raças acompanhados por humanos, também nos seus mais variados formatos! Eu ficava imaginando que esforço sobrehumano seria necessário para adestrar os cachorros a fazerem uso desses pequenos postes. Kennedy, quando saía para andar com ele em Curitiba, tinha um pouco de xixi para cada poste no caminho! Seria impossível fazê-lo esperar até chegar em um "honden toilet"!
Outro dia, resolvi buscar informações sobre os "honden toilets" na internet. No site da prefeitura de Utrecht consegui resolver o mistério. Há algums regras sobre levar os cachorros para as ruas. Eles devem ser sempre conduzidos por coleiras e há espaços específicos nos parques em que eles podem ficar soltos. Se eventualmente cagarem em algum lugar, os responsáveis devem coletar a sujeira e dispô-la em lixeiras, sob pena de multa caso não o façam. Mas, há uma exceção: nos espaços assinalados como "honden toilet", não é preciso coletar a sujeira dos cães. Duas vezes por semana, a área é limpa por funcionários da prefeitura. Como disse, as aparências enganam!

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Crônicas na Holanda 17 - O pantanal holandês

Desde que chegamos a Utrecht, moramos em apartamento alugado já com mobília, roupa de cama, toalhas, talheres, panelas e louças. A casa onde moramos contém cerca de dez apartamentos pequenos, entre 35 e 45 metros quadrados, todos mobiliados de forma semelhante e distribuídos por três andares. Há uma lavanderia compartilhada entre os moradores que conta com duas lavadoras e duas secadoras. No restante, os apartamentos dispõem do mínimo necessário para uma vida razoavelmente confortável, inclusive fogão, geladeira, cafeteira, chaleira elétrica, forno elétrico conjugado com micro-ondas, uma televisão e um equipamento de som (3 em 1).

Nos primeiros 35 dias vivemos no apartamento 9E, com vista para a praça interna do campus. Depois, a partir do dia 23 de dezembro, nos mudamos para o 9A, com vista para a rua em frente à entrada principal do campus.  Desde o primeiro dia, após algumas dificuldades iniciais, consegui sintonizar o rádio do 3 em1 na estação Sublime. É uma emissora holandesa que traz, segundo o slogan próprio, o melhor do jazz, soul e funk (het beste van jazz, soul en funk), que devido à grande semelhança com a língua inglesa conseguimos entender desde a primeira vez que ouvimos. Porém, nem sempre a língua holandesa se parece com a inglesa.

A programação musical da Sublime é realmente excelente e, apenas uma vez, tentei sintonizar outras estações. Nenhuma nos pareceu tão agradável como a Sublime e nos tornamos ouvintes fiéis dela, quase cativos! Conforme fomos acostumando o ouvido com as falas entre os intervalos das músicas, algo nos chamou a atenção. Frequentemente ouvíamos a palavra “pantanal”. Era algo muito curioso, pois a menção a “pantanal” ocorria com muita frequência na Sublime. Como meu entendimento do holandês era muito precário, ficávamos pensando que talvez fosse propaganda de pacotes turísticos ao pantanal brasileiro. Ou notícias sobre as queimadas no Brasil. A imaginação voava!

Desde as primeiras semanas, após nossa chegada na Holanda, decidi aprender um pouco do holandês por conta própria. Já comentei sobre isso em outras crônicas. Mas, é um aprendizado lento, a que me dedico quase que uma hora diariamente em um site gratuito. Apesar da complexidade da estrutura gramatical dessa língua, o esforço tem sido recompensado. Começo a entender, às vezes, uma ou outra frase ouvida no rádio ou na rua. Reconheço com facilidade muitas palavras escritas e seus significados também. De vez em quando arrisco até uma pequena fala em holandês. No entanto, ainda é tudo muito precário, me restringindo a “bons dias”, “boas tardes”, “por favores”, “obrigados”, “até logos”, e um ou outro pedido em bares e restaurantes por meio da leitura dos menus.

Dia desses tive que fazer uma ligação para tratar de algum assunto burocrático referente ao cadastro de minha mulher junto à DigId que já mencionei também em outra crônica. Acabei interagindo com uma atendente automatizada que, após seguir as primeiras instruções, e pressionar os números corretos no teclado do celular, consegui entender que havia uma fila de espera para atendimento ao telefone. A mensagem concluía com a sugestão de acessar um site da internet para tentar ter meu atendimento por lá.  

Nesse momento, me dei conta do que era o “pantanal” holandês que ouvimos todos os dias na Sublime. Ri sozinho e corri para contar para ela. Como vocês sabem, os endereços de internet sempre terminam com um ponto seguido de duas ou três letras, por exemplo, ".com" ou ".org" ou ".br", entre outros. Pois então, os endereços de internet na Holanda terminam com ponto ene ele (.nl). E, quando falado em holandês é muito semelhante com “pantanal”. Por extenso seria “punt en el”, que oralmente se tornou “pantanal” para nossos ouvidos. O site da Sublime é simplesmente sublime.nl. Veja lá o  que temos ouvido.

Mas, com “pantanal” ou sem “pantanal”, continuamos ouvintes constantes da Sublime. Concluo essa crônica ouvindo Louis Armstrong e Ella Fitzgerald, em um dueto fantástico, cantando Cheek to Cheek. Se você não tem acesso à Sublime, pode ouvir os dois em https://www.youtube.com/watch?v=20iOlPwz0J0&list=OLAK5uy_lYqHSJL605np3qBB6QaWiqG3TpiO2R7gw&index=9.

Ou, ainda, tentar cantar a música, a partir da letra:

Heaven, I'm in heaven

And my heart beats so that I can hardly speak

And I seem to find the happiness I seek

When we're out together, dancing cheek to cheek

Yes, heaven, I'm in heaven

And the cares that hung around me through the week

Seems to vanish like a gambler's lucky streak

When we're out together, dancing cheek to cheek

Oh I'd love to climb the mountain

Reach the highest peak

But it doesn't thrill me half as much

As dancing cheek to cheek

Oh, I'd love to go out fishing

In a river or a creek

But I don't enjoy it half as much

As dancing cheek to cheek

Now, mama, dance with me

I want my arms about you

The charms about you

Will carry me through, yes

Heaven, I'm in heaven

And my heart beats so that I can hardly speak

And I seem to find the happiness I seek

When we're out together, dancing cheek to cheek

Take it Ella, swing it

Heaven, I'm in heaven

And my heart beats so that I can hardly speak

And I seem to find the happiness I seek

When we're out together, dancing cheek to cheek

Heaven, I'm in heaven

And the cares that hung around me through the week

Seem to vanish like a gambler's lucky streak

When we're out together, dancing cheek to cheek

Oh I'd love to climb a mountain

And to reach the highest peak

But it doesn't thrill me half as much

As dancing cheek to cheek

Oh I love to go out fishing

In a river or a creek

But I don't enjoy it half as much

As dancing cheek to cheek

Come on and dance with me

I want my arm about you

The charm about you

Will carry me through to

Heaven, I'm in heaven

And my heart beats so that I can hardly speak

And I seem to find the happiness I seek

When we're out together, dancing cheek to cheek

Yes, dance with me

I want my arms about you

The charms about you

Will carry me through to

Heaven, I'm in heaven (heaven, I'm in heaven)

And my heart beats so that I can hardly speak

And I seem to find the happiness I seek

When we're out together, dancing cheek to cheek

Cheek to cheek

Cheek to cheek

Cheek to cheek