Contos e crônicas que vão surgindo no tempo. Na balança da vida, para o quase insuportável peso das impossibilidades, ofereço a insustentável leveza das possibilidades (Fernando Antonio Prado Gimenez)
domingo, 27 de fevereiro de 2022
Crônicas na Holanda 20 - Sobre o que escrever?
A memória, ou melhor, a falta dela me impede a certeza. E a preguiça me força a deixar com você, leitora ou leitor, a possibilidade da descoberta. Vai lá, por favor! Assim, você resolve a questão e, melhor ainda, contribui com as estatísticas do meu blog. Vaidade do autor!. Eu sei. Mas, como humano, tenho minhas fraquezas. Quem não as tem?
Por aqui, como no mundo, as notícias são diversas. Boas e más. Entre as últimas, está a estupidez da guerra. Mais uma! Entre as mais de duas dezenas de conflitos armados que se espalham pelo nosso planeta. Com ela, é inevitável sentir alguma apreensão. Diferente das outras, esta acontece mais próxima de nós. Além da solidariedade com a dor do outro povo, há a esperança de que não se espalhe e acabe logo.
Entre as boas, parece que a pandemia vai suavizando. Desde sexta-feira, não precisamos mais mostrar comprovante de vacinação em lugar algum. Máscaras deixaram de ser obrigatórias, exceto em estações e meios de transporte público. Internações e mortes se reduzem, apesar da taxa de infecção ampliada. Parece que a vacinação trouxe frutos positivos. Nesse campo, uma dúvida: em duas semanas poderei tomar a terceira dose da vacina aqui; devo fazê-lo? Será a quinta dose, visto que tomei duas no Brasil.
No campo dos estudos, vai tudo bem. Obrigado! Poderia ser melhor? Sim. Poderia ser pior? Também. Ou seja, faço o que posso. E, as vezes, me sinto realizado. Como hoje, quando fui capaz de refletir e modelar de forma abstrata o fenômeno que estudo. Sei que a sensação de sentir-se realizado é passageira. Logo vem o desejo de mais. Mas, hoje foi o dia das pecas juntarem-se como um quebra-cabeças resolvido. Prefiro, porém, a imagem de um caleidoscópio. Pode ser que as partes se misturem novamente. E, um outro olhar me ofereça outra imagem. Assim, o conhecimento vai surgindo. Também provisório. Incompleto. A cada momento, com o que outros e outras me dizem, novas imagens se formam.
Enfim, para quem não sabia o que escrever, a crônica surgiu leve. E na leveza desta escrita, trago a esperança que os artefatos humanos sirvam apenas para nos harmonizar com a natureza. Como esta fotografia que fiz ontem. Que juntos, artefatos e natureza nos afastem da guerra e nos aproximem do amor.
terça-feira, 22 de fevereiro de 2022
A LENDA DO MORTO-VIVO DO CEMITÉRIO SÃO PEDRO
Esta história me foi contada por meu pai. Várias vezes! Eu adorava ouvi-la. Para alguns é uma lenda urbana. Meu pai dizia que tinha acontecido mesmo. Foi assim:
Era nove de dezembro de 1955. Londrina, no dia seguinte, completaria o primeiro ano de sua terceira década. Aniversário de 21 anos. Se fosse humana, chegava à maioridade. Assim como alguns e algumas que nasceram naquele longínquo ano de 1934, nos primórdios da história londrinense. A festa de aniversário da cidade seria inesquecível. E a história que Gervásio presenciara na véspera se tornaria uma lenda urbana londrinense.
Além dos que nasceram na cidade, aumentando a população, somando-se aos numerosos imigrantes de várias partes do Brasil e de outros países, havia também os que morriam. A inevitável dinâmica populacional. De qualquer forma, o número de nascidos e imigrantes era maior do que o de mortos e a população crescia. Na região central da cidade, o cemitério São Pedro acolhia os que faziam a passagem para o além. Independente dos credos, ou da falta de um, era lá o destino dos que se subtraíam à população local.
Gervásio era londrinense, mas nascera quatro anos antes da emancipação de Londrina como município, em 1930. Estava no frescor dos seus 25 anos. Na madrugada da véspera do aniversário da cidade, por volta das cinco horas, Gervásio caminhava pela rua Alagoas. Na escuridão da noite nublada, as lâmpadas pequenas e amarelas penduradas nos postes de madeira, iluminavam fracamente as calçadas e as ruas nas proximidades do Cemitério São Pedro. À distância, Gervásio enxergou a carroça do padeiro. Estava parada um pouco além do portão central do cemitério, que ficava na esquina com a rua São Paulo. Gervásio, mesmo à distância e com a baixa luminosidade, viu Osvaldo saindo do portão de uma das casas. Reconheceu o amigo padeiro. Sabia que Osvaldo fazia a entrega de pães e leite na região central. Gervásio agradeceu a providência divina de permitir o encontro. Estava com fome, pois saíra da casa de Terezinha antes dela acordar. Não fez café para não a incomodar. Fez o sinal da cruz em agradecimento e em respeito à aproximação do cemitério e pôs-se a caminhar em direção ao padeiro.
Gervásio, como todo humano, apesar da crença religiosa, não deixava de cometer seus pecados. Depois, nas conversas com seu divino protetor, pedia o perdão. Naquela madrugada, ele saíra mais cedo da casa de Terezinha, do que nos dias anteriores. Era uma sexta-feira, dia que saía mais cedo. Professora do então ensino primário, Terezinha era casada com Dorival, representante das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo no norte do Paraná. Dorival era o que se chamava naquela época de "viajante". De segunda a quinta, visitava os varejistas da região de Apucarana e Maringá, tirando os pedidos que seriam enviados ao escritório central da Matarazzo em São Paulo.
Voltava para casa nas manhãs de sexta e fazia a praça local aos sábados. Começava com a visita à Casa Gimenez de Christovam e Kilda, casados há apenas dois anos. Dorival tirava o pedido semanal do Gimenez. Era sempre um pedido de bom tamanho. A Casa Gimenez já tinha um bom movimento naquela época e vendia muitos dos produtos da Matarazzo, em especial os óleos e sabões. Muito próximo à residência de Terezinha e Dorival, a Casa Gimenez ficava na esquina da Paranaguá com a Goiás. Christovam e Dorival eram amigos e conterrâneos de Sertãozinho, de onde imigraram para Londrina no final dos anos 40. O amigo, de vez em quando, ajudava Dorival a cumprir a meta de vendas, comprando um pouco mais do que o usual, quando os pedidos na região de Apucarana e Maringá tinham sido fracos. Os produtos Matarazzo eram venda certa. Gimenez, como a maioria dos fregueses e viajantes o chamavam, sabia do rolo entre Terezinha e Gervásio, mas não dizia nada ao corno. Também era amigo de Gervásio. Cidade pequena! Não ia se intrometer no triângulo amoroso. Só observava e se divertia com as histórias que Gervásio contava nas tardes de sábado. Gervásio se tornara freguês da Casa Gimenez desde que começara a visitar Terezinha.
Enquanto Dorival estava fora visitando os varejistas de Apucarana e Maringá, Gervásio visitava Terezinha. Nesses dias esquecia o mandamento de não cobiçar a mulher do próximo. Lá no final da rua Alagoas, em uma casa de madeira, na esquina da Antonina, sem vizinhos ao lado e à frente, o ex-aluno trocava juras de amor com a ex-professora e, também trocava o “óleo”. Como contava para o Gimenez, entrava com o bruto, fazia o balanço e deixava o líquido. Gervásio era técnico em contabilidade e trabalhava no escritório que atendia o Gimenez. Entre os risos, Christovam só recomendava:
_ Cria juízo Gervásio! Um dia essa história pode feder.
Naquela madrugada fresca, Gervásio apressou o passo para se aproximar do amigo padeiro. Mas, assim que começou a andar mais rápido, viu o amigo subir na carroça, chicotear o cavalo e sair em disparada. A porta do compartimento da carroça ficou aberta e muitos pães caíram na rua. Espantado, Gervásio correu, mas não conseguiu alcançar o padeiro. Ao se aproximar, do portão central do cemitério, viu Valdomiro do lado de dentro. Valdomiro era um dos poucos mendigos da Londrina daquela época. Vivia pelas ruas e dormia em algum canto qualquer no centro da cidade.
Gervásio perguntou a Valdomiro o que acontecera. Valdomiro disse que havia ficado preso no cemitério, no dia anterior, quando bêbado, ao final da tarde, entrou no cemitério e dormiu em um dos cantos, encostado em uma árvore. Acordou com o barulho do padeiro. Subiu em um caixote de madeira e, com a cabeça acima do muro, se dirigiu ao padeiro:
_ Bom dia. Me dá um pão.
E o padeiro fugiu em disparada. Gervásio e Valdomiro caíram na gargalhada. Gervásio pegou um pão doce para ele. O pão doce que Dorival entregava nas casas era uma delícia! Me lembro bem dele, pois quando criança, anos depois, eu adorava comê-lo, lambuzando as mãos com o açúcar cristal que o cobria. Esse pão doce era feito pela mesma padaria que fornecia pães para venda na casa Gimenez. Gervásio deu o resto dos pães para Valdomiro que ainda teria que esperar o coveiro abrir o portão mais tarde.
Naquele sábado, ao final da tarde, Gervásio foi na Casa Gimenez comprar alguma coisa e contou o ocorrido ao meu pai. Foi assim que surgiu a lenda do morto vivo que assustou o padeiro na rua Alagoas em frente ao Cemitério São Pedro. Como dizia meu pai, isto aconteceu mesmo. O restante da história? Talvez seja fruto de minha imaginação!
sábado, 19 de fevereiro de 2022
Crônicas na Holanda 19 - Sobre a natureza humana ou que lobo você está alimentando?
domingo, 13 de fevereiro de 2022
Crônicas na Holanda 18 - Sinais ou As aparências enganam.
domingo, 6 de fevereiro de 2022
Crônicas na Holanda 17 - O pantanal holandês
Desde que chegamos a Utrecht, moramos em apartamento alugado já com mobília, roupa de cama, toalhas, talheres, panelas e louças. A casa onde moramos contém cerca de dez apartamentos pequenos, entre 35 e 45 metros quadrados, todos mobiliados de forma semelhante e distribuídos por três andares. Há uma lavanderia compartilhada entre os moradores que conta com duas lavadoras e duas secadoras. No restante, os apartamentos dispõem do mínimo necessário para uma vida razoavelmente confortável, inclusive fogão, geladeira, cafeteira, chaleira elétrica, forno elétrico conjugado com micro-ondas, uma televisão e um equipamento de som (3 em 1).
Nos primeiros 35 dias vivemos no apartamento 9E, com vista para a praça interna do campus. Depois, a partir do dia 23 de dezembro, nos mudamos para o 9A, com vista para a rua em frente à entrada principal do campus. Desde o primeiro dia, após algumas dificuldades iniciais, consegui sintonizar o rádio do 3 em1 na estação Sublime. É uma emissora holandesa que traz, segundo o slogan próprio, o melhor do jazz, soul e funk (het beste van jazz, soul en funk), que devido à grande semelhança com a língua inglesa conseguimos entender desde a primeira vez que ouvimos. Porém, nem sempre a língua holandesa se parece com a inglesa.
A programação musical da Sublime é realmente excelente e, apenas uma vez, tentei sintonizar outras estações. Nenhuma nos pareceu tão agradável como a Sublime e nos tornamos ouvintes fiéis dela, quase cativos! Conforme fomos acostumando o ouvido com as falas entre os intervalos das músicas, algo nos chamou a atenção. Frequentemente ouvíamos a palavra “pantanal”. Era algo muito curioso, pois a menção a “pantanal” ocorria com muita frequência na Sublime. Como meu entendimento do holandês era muito precário, ficávamos pensando que talvez fosse propaganda de pacotes turísticos ao pantanal brasileiro. Ou notícias sobre as queimadas no Brasil. A imaginação voava!
Desde as primeiras semanas, após nossa chegada na Holanda, decidi aprender um pouco do holandês por conta própria. Já comentei sobre isso em outras crônicas. Mas, é um aprendizado lento, a que me dedico quase que uma hora diariamente em um site gratuito. Apesar da complexidade da estrutura gramatical dessa língua, o esforço tem sido recompensado. Começo a entender, às vezes, uma ou outra frase ouvida no rádio ou na rua. Reconheço com facilidade muitas palavras escritas e seus significados também. De vez em quando arrisco até uma pequena fala em holandês. No entanto, ainda é tudo muito precário, me restringindo a “bons dias”, “boas tardes”, “por favores”, “obrigados”, “até logos”, e um ou outro pedido em bares e restaurantes por meio da leitura dos menus.
Dia desses tive que fazer uma ligação para tratar de algum assunto burocrático referente ao cadastro de minha mulher junto à DigId que já mencionei também em outra crônica. Acabei interagindo com uma atendente automatizada que, após seguir as primeiras instruções, e pressionar os números corretos no teclado do celular, consegui entender que havia uma fila de espera para atendimento ao telefone. A mensagem concluía com a sugestão de acessar um site da internet para tentar ter meu atendimento por lá.
Nesse momento, me dei conta do que era o “pantanal” holandês que ouvimos todos os dias na Sublime. Ri sozinho e corri para contar para ela. Como vocês sabem, os endereços de internet sempre terminam com um ponto seguido de duas ou três letras, por exemplo, ".com" ou ".org" ou ".br", entre outros. Pois então, os endereços de internet na Holanda terminam com ponto ene ele (.nl). E, quando falado em holandês é muito semelhante com “pantanal”. Por extenso seria “punt en el”, que oralmente se tornou “pantanal” para nossos ouvidos. O site da Sublime é simplesmente sublime.nl. Veja lá o que temos ouvido.
Mas, com “pantanal” ou sem
“pantanal”, continuamos ouvintes constantes da Sublime. Concluo essa crônica ouvindo
Louis Armstrong e Ella Fitzgerald, em um dueto fantástico, cantando Cheek to
Cheek. Se você não tem acesso à Sublime, pode ouvir os dois em https://www.youtube.com/watch?v=20iOlPwz0J0&list=OLAK5uy_lYqHSJL605np3qBB6QaWiqG3TpiO2R7gw&index=9.
Ou, ainda, tentar cantar a
música, a partir da letra:
Heaven, I'm in heaven
And my heart beats so that I can hardly speak
And I seem to find the happiness I seek
When we're out together, dancing cheek to cheek
Yes, heaven, I'm in heaven
And the cares that hung around me through the week
Seems to vanish like a gambler's lucky streak
When we're out together, dancing cheek to cheek
Oh I'd love to climb the mountain
Reach the highest peak
But it doesn't thrill me half as much
As dancing cheek to cheek
Oh, I'd love to go out fishing
In a river or a creek
But I don't enjoy it half as much
As dancing cheek to cheek
Now, mama, dance with me
I want my arms about you
The charms about you
Will carry me through, yes
Heaven, I'm in heaven
And my heart beats so that I can hardly speak
And I seem to find the happiness I seek
When we're out together, dancing cheek to cheek
Take it Ella, swing it
Heaven, I'm in heaven
And my heart beats so that I can hardly speak
And I seem to find the happiness I seek
When we're out together, dancing cheek to cheek
Heaven, I'm in heaven
And the cares that hung around me through the week
Seem to vanish like a gambler's lucky streak
When we're out together, dancing cheek to cheek
Oh I'd love to climb a mountain
And to reach the highest peak
But it doesn't thrill me half as much
As dancing cheek to cheek
Oh I love to go out fishing
In a river or a creek
But I don't enjoy it half as much
As dancing cheek to cheek
Come on and dance with me
I want my arm about you
The charm about you
Will carry me through to
Heaven, I'm in heaven
And my heart beats so that I can hardly speak
And I seem to find the happiness I seek
When we're out together, dancing cheek to cheek
Yes, dance with me
I want my arms about you
The charms about you
Will carry me through to
Heaven, I'm in heaven (heaven, I'm in heaven)
And my heart beats so that I can hardly speak
And I seem to find the happiness I seek
When we're out together, dancing cheek to cheek
Cheek to cheek
Cheek to cheek
Cheek to cheek