sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Crônicas na Holanda 16 - Um empreendedor belga e a cooperação internacional


Quando planejava nossa viagem para a Holanda, fui alertado por um amigo de Paloma, minha filha, sobre uma particularidade do pequeno comércio na Holanda. Ao contrário do que é comum no Brasil, em que o pagamento com cartões de crédito é praticamente universal, por aqui isso não é tão comum.
De fato, depois dos primeiros dias em Amsterdam encontrei locais em que o cartão de crédito não era aceito e tive que pagar a compra em dinheiro. Pior ainda, em outros lugares o pagamento em dinheiro não é aceito. Em outros lugares consegui usar o cartão de débito pré-pago que ativei no Brasil. E, nas lojas maiores ou em ambientes com maior fluxo turístico, o meu cartão de crédito brasileiro foi aceito sem problemas.
Porém, certo dia, ao irmos fazer um lanche em um pequeno restaurante de uma brasileira em Amsterdam, o Sabor de Maria, quando fui pagar a conta em dinheiro, a proprietária me alertou:
_ Sempre pergunte ou veja se aceitam dinheiro. Em muitos lugares é só com cartão de débito. Nem dinheiro, tampouco cartão de crédito.
Depois de quase 45 dias, já em Utrecht resolvi o problema, abrindo uma conta em um banco digital que me forneceu um cartão de débito com a bandeira aceita aqui, a Maestro. Nem Visa, nem Mastercard. A cada 30 dias, às vezes um pouco mais, outras um pouco menos, transfiro euros para essa conta e vou usando o cartão.
Na semana passada, quando fui fazer um pagamento com o Maestro em um supermercado, veio mensagem de pagamento não autorizado. Estranhei, pois tinha certeza de haver saldo suficiente na conta e, para não segurar a fila, rapidamente paguei em dinheiro. Era como fazia nas compras anteriores nesta rede varejista antes de ter o cartão Maestro.
Logo depois, o mesmo problema aconteceu em uma pequena mercearia daqui do bairro. No entanto, o proprietário que tem mais experiência do que a jovem que me atendera no supermercado, me instruiu a usar o cartão no modo tradicional e não por aproximação como faço em todas as compras. Cartão enfiado na máquina, pedido de senha e, pronto, pagamento autorizado.
Depois que cheguei em casa, consultei o aplicativo do banco em meu celular e etava tudo certo. Saldo suficiente e registro da compra negada no supermercado e da compra aprovada na mercearia. Fiquei matutando no que poderia ter acontecido e desconfiei que pudesse ser um mecanismo de segurança do banco para pagamentos por aproximação. Naquele dia, havia feito vários gastos antes de ir ao supermercado. É provável que tivesse chegado a um limite de gastos com esse procedimento.
Ontem, ao passear por Antuérpia com minha mulher, também fizemos alguns gastos extras. Afinal era aniversário dela. Apesar da fama da cidade,  porém, não houve gastos com diamantes! De volta à estação de trem, para o retorno a Utrecht, fomos tomar um café antes. De novo o pagamento por aproximação foi negado. Tentei o pagamento na forma tradicional, com senha, e deu certo. Quando chegamos a Utrecht, resolvi recarregar nossos cartões de transporte coletivo. Adicionei um valor adequado para cerca de um mês e paguei com o cartão por aproximação. Sem problemas!
Acho que entendi a lógica da segurança do cartão. Após um certo número de pagamentos em sequência, o sistema exige o uso da senha e libera para mais compras por aproximação.
E o empreendedor belga? Onde entra nesta história?
Pois então, no caminho de volta para a estação de Antuérpia passamos por um quiosque que vende churros. Não grossos e recheados como os vendidos no Brasil, mas mais finos e apenas com açúcar. Muito parecidos com os que pude comer em alguns cafés da manhã na Espanha. Ao pagar, usei o cartão por aproximação e o homem que me serviu, muito rapidamente virou a maquineta para baixo e me entregou os churros. Inclusive, me disse que colocou um a mais de cortesia. Agradeci com um "Dank je wel" em meu parco holandês. E fomos em direção à estação.
Em casa, depois de descansar e tomar banho, fui checar o saldo da conta Maestro. Estranhamente, vi uma compra de seis euros negada. Recapitulei as compras do dia, conforme apareciam no extrato. Me dei conta que era o valor dos churros. Por motivo que não sei, a compra foi negada. O que fazer? Ao comentar com minha mulher, brinquei:
_ Um dia que voltar para a Antuérpia, tenho que passar no quiosque e pagar os churros novamente.
Mas, a probabilidade disso acontecer é muito pequena! Assim, decidi que o empreendedor belga faria uma doação Internacional, mesmo sem saber disso. Em Curitiba, há um programa de ação social contra a fome que se chama "Marmita da Terra". Tenho feito uma contribuição mensal para o programa há algum tempo. Hoje à tarde, fiz uma transferência de R$ 50 para o "Marmita da Terra". Aos seis euros do vendedor de churros de Antuérpia, juntei alguns minguados reais. Acho que ele ficará feliz se, um dia, souber que o fruto de uma pequena venda que não recebeu, ajudou alguém com fome em outro país. Se você quiser e puder, procure se informar como ajudar o "Marmita da Terra" com a Associação de Cooperação e Reforma Agrária do Paraná.

sábado, 22 de janeiro de 2022

Crônicas na Holanda 15 - Sobre cuidados: oficiais, incidentais e até mesmo acidentais!

Nos últimos dias, coisas pouco usuais aconteceram comigo. Começo pela mais recente. Há dias, estava um pouco angustiado com uma correspondência que deveria chegar para minha mulher. Ainda relacionada à questão da prova vacinal contra o vírus da Covid 19. Como contei em outra crônica, tivemos que tomar duas doses da vacina da Pfizer após nossa chegada neste país. Por razões não esclarecidas para nós, as doses da Coronavac que tomamos no Brasil não foram aceitas pelo governo holandês. Depois de decorridas duas semanas da segunda dose da Pfizer, estaríamos devidamente imunizados segundo as autoridades sanitárias. Ou seja, como nossa segunda dose nos foi aplicada no dia 13 de dezembro, desde 27 do mês passado completamos o requisito de vacinação contra a Covid 19.

Depois disso, teríamos que instalar um certificado digital da vacinação em um aplicativo nos nossos celulares, o CoronaCheck. Este aplicativo é usado pelos países membros da Comunidade Europeia. Para conseguirmos fazer isso, no entanto, deveríamos fazer um procedimento prévio: nos registrar junto ao Digid, que é um meio digital de sermos identificado pelas autoridades do governo e termos acesso aos serviços online. Mas, para nos registramos no Digid, tivemos que ir até a prefeitura local, para informar nosso novo endereço, pois o código de ativação do Digid nos seria enviado por correio. Parece complicado, não é? E é mesmo!

Da primeira vez que tentei fazer nosso registro no Digid, não consegui. O endereço registrado na prefeitura era, ainda, o endereço provisório que a Utrecht University me havia fornecido para efetuar o cadastro na prefeitura de Utrecht, enquanto ainda estávamos em Amsterdam. Depois de informado o endereço atual, consegui fazer o cadastro no Digid e, cinco ou seis dias depois, eu recebi a carta com o código de ativação. A correspondência para ela, no entanto, não chegou! Esperamos mais uns dias. Nada!

Pedi ajuda da funcionária (landlady) que atende aos inquilinos dos apartamentos na universidade. Ela sugeriu que eu verificasse com a recepção da universidade. Foi o que fiz. Surpresa! Como o nome dela não estava registrado no cadastro de moradores da universidade, já que ela não tem vínculo com a mesma, a moça disse que provavelmente a correspondência deveria ter sido devolvida ao remetente. A moça foi atenciosa comigo. Aproveitou para registrar nosso novo apartamento, pois ao final de dezembro, saímos do 9E e entramos no 9A. Incluiu o nome dela no cadastro.

Quanto ao Digid, tivemos que repetir a inscrição dela online. Hoje, depois de uma semana, ela recebeu o código de ativação do Digid. Ativado o Digid, nós dois conseguimos ter o comprovante de vacinação em nosso celular devidamente instalado no CoronaCheck. Agora é só esperar o governo aliviar o lockdown, para começarmos a usá-lo. Há rumores de que a partir da próxima terça-feira, bares, restaurantes, museus e outros espaços de lazer e cultura serão autorizados a reabrir. Mas, ainda com a exigência de controle de acesso por meio do CoronaCheck.

Mas, isto tudo, embora possa ser enquadrado na categoria do pouco usual como afirmei acima, é só um preâmbulo para falar de outros três eventos. Na correspondência que peguei pela manhã, além da carta para ela, havia um envelope para mim. Ao abri-lo, descobri que continha instruções e um kit para coleta de material para um exame de sangue nas fezes. Apesar de estar tudo escrito em holandês, após algumas traduções que fiz pelo Google, percebi que é um convite para participar de um programa de controle de câncer no intestino, implantado pelo governo holandês. A participação é voluntária a partir dos 55 anos, e o exame é feito a cada dois anos. Além desse programa, há mais dois: um de prevenção ao câncer de mama e outro para o cervical. Bacana, não é? 

Depois de dez dias, se eu resolver participar, receberei o resultado do exame pelo correio. Se for necessário, serei encaminhado para uma consulta e uma colonoscopia. O primeiro exame é gratuito, mas a consulta e a colonoscopia são cobertas pelos seguros de saúde que cada cidadão deve ter por aqui. Este é o cuidado oficial que faz parte do título da crônica. O governo tentando prover aos que moram no país, alguns cuidados de saúde preventivos e muito importantes.

Mas, você, minha prezada leitora e meu prezado leitor, deve estar, a esta altura querendo saber sobre os outros cuidados que estão no título, não é. Pois então, vamos ao cuidado incidental que recebi três dias atrás.

Fui ao supermercado Plus fazer uma compras. A cada três ou quatro dias, eu vou às compras. Às vezes no Plus, às vezes em outra rede, Albert Heijn, e outras vezes em uma pequena mercearia bem próximo de casa, a Olifje, que tem muitas delícias da culinária do Oriente Médio, além de frutas, verduras, legumes, pães e outros itens de secos e molhados. No Plus, tem umas profiteroles cobertas de chocolate que são uma perdição! Haja caminhadas para queimar as calorias provenientes delas e das baclavas da Olijfe, feitas com nozes ou pistaches e mel em uma massa muito fina!

Quando cheguei ao caixa do Plus, a cesta que eu havia pegado para colocar os produtos estava transbordando. Acabei comprando, como quase sempre acontece, muito mais do que havia pensado. Ao colocar a cesta sobre o aparo em frente ao caixa, enquanto a atendente ia passando os produtos, ela me falou algo em holandês. Como não entendi, ela repetiu em inglês:

_ Da próxima vez, pegue o outro tipo de cesta. Esta que você pegou é para os mais jovens.

Olha que moça mais gentil. Tão cuidadosa! Eu ri sozinho, pois de forma muito delicada, ela tinha acabado de me chamar de velho, não é? O outro tipo de cesta tem uma aba mais comprida e pequenas rodas em uma de suas partes. A gente pode facilmente arrastá-las pelo piso enquanto fazemos a compra. Foi um momento em que recebi um cuidado deliciosamente incidental!

Por fim, chego ao terceiro cuidado desta crônica. Ao final da manhã, depois de termos passeado por um parque perto de onde moramos, pegamos um ônibus e fomos ao centro de Utrecht. Depois de andarmos um pouco pela região central, fomos até uma feira de rua que ocorre duas ou três vezes por semana, nas imediações de um shopping-center. Há de tudo um pouco nesta feira; frutas, legumes, carnes, peixes, queijos, e muitas barracas de comidas.

Depois de passarmos por várias opções, decidimos comer um cachorro-quente. Havia uma fila de clientes não muito longa, mas ela avançava devagar. Somente o proprietário da banca estava atendendo os clientes. Enquanto esperávamos, de repente, ouço um barulho estranho. Algo que soou como um “flope”, um som de coisa caindo e batendo na minha roupa. Foram três flopes. Olhei para o ombro direito e vi, na jaqueta, três cagadas de uma gaivota. Devido às bancas de peixe, havia muitas gaivotas sobrevoando a feira. E, entre tantos, eu fui o felizardo de receber os bólidos voadores que escaparam do rabo de uma gaivota. Sortudo, não? Mas, antes cagado de gaivota na Holanda do que cagado de arara no Brasil!

E aí, chegou o terceiro cuidado. Depois que eu vi as manchas na jaqueta, pedi que minha mulher pegasse alguns guardanapos na banca de cachorro-quente para limpar a cagada da gaivota. O que ela fez com muito carinho, mas às gargalhadas. Este foi o cuidado acidental!

É impressionante, mas parece que a vida conspira para eu escrever estas crônicas. Às vezes, não tenho a mínima ideia sobre o que poderia escrever. E então, vem a vida e me coloca em três momentos pouco usuais. O que eu posso fazer? Contar para vocês, não é?


sábado, 15 de janeiro de 2022

Crônicas na Holanda 14 - O tempo não para!

O tempo não para! Lembrei desse chavão ao ver alguns trabalhadores consertando o relógio que fica na torre bem na entrada do campus onde estamos morando. Da janela de nosso quarto, é possível vê-lo e conferir o horário. O problema é que ele estava parado desde, pelo menos, o primeiro dia em que aqui chegamos. Desde ontem, ele voltou a funcionar. Justamente em nosso nonagésimo dia nos Países Baixos. Metade de nosso tempo previsto por aqui.

O tempo não para! Além de chavão, é também o título de um álbum solo de Cazuza, gravado ao vivo em show no Canecão, casa de shows do Rio de Janeiro, entre 14 e 16 de outubro de 1988. Por coincidência, 33 anos antes de nosso embarque em São Paulo com destino a Amsterdam no dia 16 de outubro do ano passado. É claro que eu não sabia disso quando ontem, ao ver que o relógio estava funcionando novamente, disse para Edra:

_ Como diria o Cazuza, o tempo não para!

Tomei conhecimento dessas informações, ao buscar pela música na internet e me deparei com o verbete “O tempo não para” na Wikipedia. Segundo o que lá consta, o álbum foi o último registro ao vivo do cantor, dirigido por Ney Matogrosso. A música foi composta por Cazuza e Arnaldo Brandão.

Por aqui, as coisas vão caminhando. E nós também. Às vezes em passo lento, às vezes mais aceleradas. Na média, dentro do planejado. Leituras, busca de informações e estatísticas, análises, reflexões e escrita, não necessariamente nesta ordem. Em meio às tarefas acadêmicas, insere-se a vida cotidiana: compras no varejo, caminhadas pelo bairro, descobertas de paisagens que surgem em um flanar descompromissado, música no rádio, notícias do Brasil, notícias por aqui... E assim se vai vivendo como se pode e, às vezes, como se quer.

Por exemplo, ontem, uma sexta-feira, no horário que marcava o relógio da torre registrado na fotografia, Edra eu saímos para mais um passeio por essa cidade encantadora. Todo o comércio fechado, com exceção das atividades essenciais. Nos acostumamos a andar sem pressa por aqui. E caminhar muito, observando a vida que se exibe para nós na quarta maior cidade da Holanda. E no caminhar, o tempo não para e passa depressa! Duas horas depois, com um breve intervalo para comer batatas fritas ao estilo holandês (com casca), às cinco horas, vejo no reflexo do canal, os prédios à sua margem. Uma paisagem exibida! A mim, só cabia a fotografar.

Assim, nessa breve crônica de hoje, anoto que começamos a contagem regressiva para o Brasil. Enquanto contamos os dias, em meio à reabertura parcial do comércio e outras atividades, após 28 dias de lockdown, lembro que o tempo não para, ouvindo Cazuza cantando (https://www.youtube.com/watch?v=_Jcn10Iiuu4):

Disparo contra o Sol

Sou forte, sou por acaso

Minha metralhadora cheia de mágoas

Eu sou um cara

Cansado de correr

Na direção contrária

Sem pódio de chegada ou beijo de namorada

Eu sou mais um cara

Mas, se você achar

Que eu tô derrotado

Saiba que ainda estão rolando os dados

Porque o tempo, o tempo não para

Dias sim, dias não

Eu vou sobrevivendo sem um arranhão

Da caridade de quem me detesta

A tua piscina tá cheia de ratos

Tuas ideias não correspondem aos fatos

O tempo não para

Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não para

Não para, não, não para

Eu não tenho data pra comemorar

Às vezes os meus dias são de par em par

Procurando agulha num palheiro

Nas noites de frio é melhor nem nascer

Nas de calor, se escolhe: É matar ou morrer

E assim nos tornamos brasileiros

Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro

Transformam o país inteiro num puteiro

Pois assim se ganha mais dinheiro

A tua piscina tá cheia de ratos

Tuas ideias não correspondem aos fatos

O tempo não para

Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não para

Não para, não, não para

sábado, 8 de janeiro de 2022

Crônicas na Holanda 13 - Flanando por Utrecht

Para hoje, a previsão era de chuva a partir das 13 horas. Pela manhã, sem chuva. Porém, com temperatura entre 2 e 3 graus centigrados. Mudança de plano. Ao invés de mais um passeio a um parque, acompanhado de alguns petiscos e vinho, tive a ideia de darmos um passeio com primeiro e último destinos pré-determinados. Iríamos até o Fort De Bilt, uma parte da antiga linha de defesa aquática das cidades. Ao final do passeio, uma rápida passada em um supermercado para uma compra pequena. Entre os dois, flanar pela Utrecht nessa manhã fria de sábado.

Dar chance ao acaso. Errar, vagar, perambular. Tantos os sinônimos para algo que sempre gostei de fazer. Desde minha primeira viagem internacional, já adulto, quando fui para Helsinki. Após a chegada no hotel pela manhã, ao final da tarde vaguei a esmo pela vizinhança do hotel. Dos tempos pré-internet, em 1988, guardo na memória a visão de um kioski. Tão diferente de nossas bancas de jornais e sucos que à época eram comuns em Londrina. Em especial no entorno da Catedral e pelo Calçadão. Mas, tinha a semelhança da finalidade, além da possível na tradução em português, quiosque. O kioski finlandês vendia lanches e, também, revistas.

Ficou na memória! Possivelmente, reimaginado hoje, decorridos quase 34 anos. Será mesmo precisa a imagem que dele tenho? Ou terá se amalgamado aos tantos quiosques que ao flanar pelas cidades desse vasto mundo, mesmo não sendo Raimundo, sempre me tocaram profundo. Gosto de quiosques, mas hoje não vi nenhum. No entanto, em Utrecht os há. Em especial os que vendem brodjes (sanduíches). São mais frequentes no centro de Utrecht.

Certa vez, comprei um brodje em um deles, quando, perto da hora do almoço, caminhava em direção à faculdade de economia da Utrecht University para uma reunião. Antes da mudança para cá. Ainda morando em Amsterdam, havia chegado de trem. A partir da estação central ferroviária, 40 minutos de caminhada. Com um breve intervalo, naquele dia para um almoço em estilo holandês. Me disseram que, para a maioria dos habitantes desse país, o almoço é muito frugal. Em geral, uma fruta ou um brodje.

A caminhada até o forte foi de apenas 20 minutos. Depois voltamos em direção à Bilt Straat. Bastava andarmos em linha reta, a partir do forte, voltando parte do caminho que fizéramos. Dez minutos depois passávamos em frente ao Het Hoogeland, um dos prédios que aparecem na imagem que ilustra esta crônica. Fica junto ao Oorsprongpark, que já trilhamos algumas vezes.

Depois, na próxima esquina esse prédio com uma poesia na parede. Ao chegar em casa, descubro que é um dos inúmeros poemas de Ingmar Heytzen que ornam paredes em Utrecht. Fazem parte do projeto Straatpoëzie (Poesia na rua), coordenado pela poeta. Deem uma googlada que acharão facilmente o site na internet. 

Na próxima esquina, sugiro virarmos à direita. Conhecemos bastante a Biltstraat, pois também já a percorremos inúmeras vezes. Mas, à direita naquela esquina nunca havíamos ido. O segredo do flanar está em ir aonde jamais esteve. Dar chance ao acaso, como disse acima. Ao final na rua, uma curva suave à esquerda, à beira de um canal. Seguimos por ele. Para nossa surpresa, o caminho nos levou ao Grift Park em que estivéramos no último sábado.

A partir dali, passando por vielas e ruelas nunca por nós percorridas, acabamos retornando à Biltstraat. Breve pausa para um chocolate quente. Depois seguimos em direção ao Teatro Municipal, o que nos levou à esquina em que está o Villa Orloff. Restaurante que se tornou nosso preferido por aqui. Já estivemos nele inúmeras vezes, antes do lockdown. Resolvi que ele merecia estar na fotografia da crônica. As imagens dos canais que também ilustram a crônica, não são de hoje. Mas, passamos perto deles em outros dias. Às vezes sob um fraco sol e brilhante céu azul. Em outras, mais para o nublado. A cada momento, com sua própria beleza que vou registrando a esmo. Fotografias que surgem do prazer de flanar e do olhar curioso e inquieto.

Virando à esquerda de quem olha para o Villa Orloff, começamos o retorno para casa. Depois de 15 minutos, a parada breve no supermercado. Um pouco antes, comprarmos pão em uma das inúmeras padarias que nos tentam pelo caminho. Pequenos prazeres cujas consequências são tratadas à base de caminhadas! Ao chegar em casa, resolvo googlar a poeta da parede e encontro seu site. A poesia, como já suspeitava, devido aos pés que a acompanham, de certa forma, homenageia o flanar. Será que forço a barra? Julgue você mesmo pela tradução que me ofereceu o google translator e, na qual fiz pequenos ajustes:   

Hoe vaak je ook ging    Não importa quantas vezes você foi

Even vaak kwam je aan    Você chegou com a mesma frequência

Jeder spoor blyft bestaan    Sua trilha continua existindo

Waar je was legt je vast    Você marca onde você esteve


Geen stap diz je zet    Nenhum passo que você dá

Wordt ooit overgedaan    Alguma vez será refeito

Je bent hier nog niet weg    Você ainda não saiu daqui

Of je komt er vandaan    Ou você vem de lá