terça-feira, 21 de junho de 2016

Três memórias de meu pai: sobre a complexidade de ser humano

Outro dia lembrei-me de três momentos de meu pai. Em um convívio de quase cinco décadas, na relação de pai e filho, é claro que muitas histórias se passaram. Mas, pelos misteriosos e sinuosos caminhos da memória, esses trés episódios se repetiram na minha mente recentemente.
O primeiro ocorreu quando ainda era criança. Meu pai levou todos os filhos e mais uma moça, Maria, que trabalhava em nossa casa desde adolescente, para Ponta Grossa. Nosso destino era assistir corridas no hipódromo de Uvaranas naquela cidade. Chegamos em Ponta Grossa na hora do almoço. No centro da cidade, em frente a uma praça, me lembro bem, fomos a um restaurante. Por algum mal entendido ou má intenção do garçom que nos atendeu, quando começou a chegar a comida à mesa, foi um assombro geral. Era muita comida! O garçom pedira seis porçóes de cada prato. Eram um adulto, uma adolescente e quatro crianças. Depois de um rápido bate-boca, meu pai se levantou, foi à porta do restaurante, chamou um grupo de mendingos que estava na praça e fez com que a comida fosse servida a eles. Grande momento de vida!
Anos depois, aos dezessete anos, eu estava estudando em São Paulo me preparando para o vestibular e concluindo o ensino médio. Meu pai foi passar um final de semana lá. Foi, de novo, para assistir corridas de cavalo. Dessa vez em Cidade Jardim. No sábado, pela manhã, passeamos pelo centro de São Paulo. Na hora do almoço, perto da Praça da República, decidimos almoçar na churrascaria Rubayat. Lá dentro fomos surpreendidos pelo ambiente refinado e alta qualidade do atendimento. Embora bem de vida, não era o estilo de restaurante que frequentássemos. Ao final do almoço, pedimos dois cafés. O garçom trouxe os cafés. Em cada pires, além da xícara, um bala de hortelã. Nunca esqueci a frase que saiu dos lábios de meu pai:
_ Já estou imaginando o quanto vão me custar essas balinhas!
Um momento de humor típico do Seu Gimenez.
Passaram-se muitos anos. Eu trabalhava com meus pais no Supermercado Gimenez. As gondolas, expositores e checkouts tinham sido feitas pelo Sr. Luis Morselli, amigo de meu pai, que era marceneiro aposentado. Os checkouts tinham na parte traseira umas gavetas para guardar embalagens. Esta parte tinha a forma de um banco. Meu pai costumava ficar sentado ali conversando com fregueses que entravam e saíam do supermercado. Ele tinha um jeito de sentar que se repetia sempre. Esticava o braço esquerdo para o lado e apoiava a mão espalmada na madeira. Havia espaço para duas pessoas sentarem.
Meu pai sempre foi um homem bonito. De prosa fácil, sabia ser sedutor. Muitas freguesas, certamente, ao longo de sua vida de comerciante, sentiram de alguma forma o poder sedutor desse homem. Nessa época, em especial, havia uma freguesa, vizinha ao supermercado, que dava sinais evidentes de querer algo mais do que apenas as mercadorias vendidas pelo Seu Gimenez. Não é que, certa vez, enquanto meu pai estava sentado na ponta de um dos checkouts, em sua posição usual, com braço esquerdo estendido e mão espalmada, essa freguesa veio e sentou-se a seu lado. Com o meio da bunda bem em cima da mão dele!
Os dois ficaram um bom tempo conversando. Quando ela se foi, meu pai me perguntou:
_ Você viu?
_ Claro. Respondi e imediatamente perguntei:
_ Deu tempo de virar a mão para cima?
Ele piscou e sorriu daquele jeito maroto que de vez em quando fazia.
Três lembranças de meu pai. Três facetas de um ser humano. Às vezes, me pego fazendo julgamentos apressados sobre as pessoas. Mas, tento não me deixar levar por impressões parciais. Ser humano é uma tarefa complexa. Não cabemos em um só adjetivo.
Pena que só temos uma vida para tentar ser melhor do que pior. Pelo menos é no que acredito. Vale a pena tentar!
Quanto a meu pai, já escrevi em outro texto: alguns diziam que era uma pessoa boa; outros diziam o contrário. Eu só posso dizer que foi meu pai.

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