domingo, 18 de setembro de 2016

Estranho

Foi tudo muito rápido. Acordou na mesma hora de sempre. Depois do banho, um café com leite e um pãozinho com manteiga que comprara no final da tarde do outro dia. Em menos de meia hora saiu para o trabalho. O pão estava borrachudo. Do jeito que gostava. Era um sujeito estranho em alguns gostos. Gostava de ver o pão esticando enquanto puxava a mão a cada mordida.
Acordou assustado naquela manhã. Mais uma vez um sonho sem saída. Via-se caminhando em uma cidade desconhecida. Na calçada, irregular e estreita, uma multidão caminhava em sentido contrário ao seu. Resistia ao fluxo, seguia adiante, mas acabava em um beco sem saída. Quando tentava retornar, a mesma multidão vinha contra ele. Resistia novamente e chegava ao mesmo beco sem saída. Na quinta vez, acordou sobressaltado. Sentia o rosto molhado de suor. O gato, que subira na cama, lambia seu rosto. Sentiu-se aliviado ao ver-se seguro na cama. Espreguiçou-se ao mesmo tempo que o gato saltava fora da cama. No relógio, antigo, os ponteiros marcavam seis e quinze. Outro gosto estranho. Nunca conseguiu dormir com as luzes piscantes de um relógio digital. O tique-taque do antigo embalava seu sono.
No meio do caminho, que fazia sempre a pé, o inesperado. Sete e quinze. Morava perto do trabalho. Não mais do que um quilômetro.Uma multidão caminhava em sua direção. Se indagou se ainda sonhava. Mas, certamente não. A calçada era ampla e regular. Não era a do sonho. Olhou para baixo. A viu sobre o pé esquerdo. Enrolada em seu sapato de verniz branco e preto. Era um sujeito de gosto estranho.
Na sua frente as pessoas continuavam passando. Era uma massa uniforme e coesa. Uma barreira quase intransponível. Espremeu-se no canto da farmácia, encostado na porta metálica ainda fechada. Sobre o único degrau que dava acesso a ela quando aberta. Queria agitar o pé para livrar-se dela. Não tinha espaço. Não tinha saída. Sentiu ela enroscar-se em sua canela. Fria e gosmenta. Ela subia lentamente por sua perna. Sem saída, jogou-se embaixo da multidão que continuou uniforme e coesa. Agora, ao movimento ritmado juntara-se um pequeno deslocamento vertical. Para cima. Para baixo. Ritmo imperturbado.
Acordou em uma cama. Pensou que estava sonhando. Não. Era de hospital. A enfermeira ao seu lado sorria de forma estranha. Lambeu os beiços com uma língua bipartida. Viperina. Mas, não no sentido figurado. Mirou em sua canela e deu o bote.
Estranhamente, ele teve um orgasmo. Tinha gostos estranhos. No caixão manteve um leve sorriso. Estranho. Mas, assim era ele.

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