quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Quando quis ser presidente do Brasil

Dias atrás, mexendo em meus guardados encontrei um recorte de jornal datado de 28/04/1991. Publicado na Folha de Londrina, no começo de meu doutoramento na Universidade de Manchester na Inglaterra, tinha o formato de uma crônica em que eu juntei duas notícias inglesas com uma ameaça do governador do Paraná à época contra as universidades que haviam iniciado uma greve.
Do outro lado do Atlântico, juntei o elogio de um juiz inglês a um estrupador que, segundo ele, ao cometer o odioso crime contra uma mulher, tivera a consideração de usar camisinha, com o comentário de uma auto denominada "old fashioned lady" publicado no Lancaster Guardian que alertava as mocas do Lancashire sobre o risco de usar minissaias, e a possibilidade do governador paranaense de mandar fechar as universidades por 90 dias como forma de resolver a greve. O título da crônica que, para minha surpresa, foi realmente publicada na Folha de Londrina foi "Estupro, mini-saia, UEL". O teor da crônica você pode conferir na fotografia que acompanha este post.
Então, este precioso registro de um texto que escrevi há mais de 32 anos existe graças ao trabalho valioso de minha mãe que se atribuiu a tarefa de manter ao longo de sua vida um "livro da vida" de cada um dos seus filhos: Christovam Junior, Kilda Maria, este que escreve este post, e Arlindo, nascidos em 1954, 1956, 1957 e 1959, respectivamente. Veja você, eu já estava com 34 anos e minha mãe continuava seu trabalho de historiadora da vida de seus filhos, além de outros registros sobre nossos ancestrais tanto do lado materno quanto paterno.
Após o falecimento de minha mãe, em 2019, eu trouxe para Curitiba todo o material que ela coletou ao longo de sua vida. Um dia ainda vou me dedicar a organizar essa reliquia histórica  e, quem sabe, construir uma narrativa em formato de livro da história dos filhos de Kilda e Christovam Gimenez.
Porém, este é um projeto para o futuro. Neste post hoje, quero relembrar um momento em que ainda criança, talvez transitando para a minha adolescência, em que tive um diálogo breve e marcante com minha mãe. Eu nunca me esqueci e ela também vezenquando rememorava este fato.
Certo dia, morando ainda na nossa casa da Rua Paranaguá em frente ao Supermercado Gimenez, vi minha mãe trabalhando com os livros da vida dos filhos. Talvez fosse um domingo, pois de segunda a sábado, ela e meu pai estavam sempre atarefados com a condução da pequena empresa familiar. Ao vê-la, me aproximei e disse:
_ Mãe, sabe que eu acho isso que você faz muito importante, viu!
Surpresa, ela se virou e perguntou:
_ Por que Fernando?
Ao que imediatamente respondi:
_ Quando eu for presidente do Brasil, o trabalho dos historiadores ficará bem fácil.
Ja rindo, ela continuou:
_ Por que?
Ao que logicamente respondi:
_ Ué! Você já está deixando tudo bem organizado para eles. Vão ter só que pegar este livro com você!
Hoje, a caminho de casa, me veio esta lembrança. Mistérios da mente humana. Foi uma memória que surgiu de forma graciosa e me fez rir sozinho no meio do caminho.
Ainda bem que, ao longo dos anos, fui criando juízo e abandonei esta ambição nas memórias da infância. Ou será que ainda dá tempo? Pros historiadores, boa parte do trabalho Dona Kilda já fez!

domingo, 26 de novembro de 2023

Rachel de Queiroz, a cronista


Dias atrás, minha companheira e eu fomos a um evento organizado pelo Plural, jornal online curitibano. No Beck's Bar, o evento era uma oportunidade de trocar livros. No convite o mote: traga um livro e troque por outro. O tão antigo escambo transformado na oportunidade de acessar um livro ainda não adquirido.
Eu, com meu recém lançado livro de crônicas - O Clarinetista na Janela - e outro livro de escritor londrinense também, aproveitei a oportunidade para trocar o segundo por um livro de Cristóvão Tezza - Beatriz e o Poeta. Deixei o meu de crônicas na esperança de que fosse o objeto de escambo por leitor ou leitora anônima. Minha companheira trocou o livro que levou por uma coletânea de crônicas de Rachel de Queiroz. Depois dos comes e bebes no Beck's Bar, retornamos para casa com os livros escolhidos.
Dias depois, no domingo passado, embarquei para Brasília onde passaria quatro dias a trabalho, em atividades vinculadas ao curso de pós-graduação em políticas públicas em que atuo na universidade. Pensando nas pouca mais de duas horas de vôo entre Curitiba e Brasília, mais algum tempo de espera no aeroporto, levei o livro de crônicas de Rachel comigo. É claro que devidamente autorizado pela proprietária do livro, minha companheira.
Depois que passei pelos controles de segurança no aeroporto, sentei-me próximo ao portão de embarque previsto para o vôo. Iniciei a leitura das cronicas de Rachel de Queiroz, de quem, em minha memória trago a lembrança de ter lido seu livro de estreia, O Quinze. Leitura que fiz ainda adolescente, provavelmente guiado por sugestão ou tarefa de algum professor ou professora de literatura durante meus estudos de ensino médio. Teria sido a professora Zita Kiel, no Colégio Londrinense, quem me aproximou de Rachel de Queiroz?
Não sei dizer! Porém, guardo uma memória afetiva dessa professora que muitos e muitas conheceram em Londrina, minha cidade natal. Foi com a professora Zita com quem aprendi a diferença entre rima rica e rima pobre. Foi ela, também que, ousadamente em uma aula matinal, sugeriu a uma turma de rapazes e moças que o mênstruo, que explicou ser a menstruação, feminina, poderia ser tema de poesia. Foi ela, ainda, que certa manhã sugeriu um tema de redação - Encontro - que, para mim, até onde minha memória me serve, foi meu primeiro escrito de ficção em que explorei os múltiplos significados que uma palavra pode assumir. Ah, professora Zita! Cinquenta anos atrás, você me guiava, talvez inconscientemente, nos caminhos da literatura que ainda hoje me atraem. E, quem diria, praticante da escrita em vários gêneros.
Não esperava, que ao desejar comentar sobre as crônicas de Rachel de Queiroz, eu trilharia por memórias da adolescência. Volto a Rachel de Queiroz. Confesso que as primeiras crônicas que li, me desagradaram. Ousadia minha criticar a escrita da primeira escritora a integrar a Academia Brasileira de Letras? Talvez não! A crônica, como estilo literário, às vezes, pode ser datada. Isto é, tratar de assuntos que com o passar dos anos, perdem o interesse. Talvez, tenha sido esse o motivo de meu desagrado com as primeiras crônicas. Ou talvez, por serem crônicas iniciais dessa grande escritora brasileira. 
A coletânea de crônicas de Rachel de Queiroz segue uma ordem cronológica. A primeira é de janeiro de 1946. A última foi publicada em fins de 1956. Pouco mais de uma década de textos. No conjunto, são, como diz o título do livro, 100 crônicas escolhidas: um alpendre, uma rede, um açúcar.
No vôo de volta, continuei as leituras. Hoje avancei um pouco mais. Cheguei aos textos do começo da década de 50. Ah, a persistência é recompensada! 
Crônicas deliciosas e inspiradoras surgiram na segunda metade da coletânea. Entre elas, Jimmy escrita na Paris de 1950, e História alegre, no Rio de Janeiro, em 1951. Memórias de 1952 e O direito de escrever do mesmo ano são crônicas impecáveis sobre a própria escrita. Também desse ano, a dolorida Cantiga de navio e a divertida Um punhado de farinha. Entre tantas crônicas que me ajudaram a refletir sobre esse gênero que me atrai, por fim, destaco O rei dos caminhos, descrição inesquecível da profissão de caminhoneiro no nordeste brasileiro dos ano 50 do século passado.
Ah. Rachel de Queiroz, a cronista! Quem diria que, 50 anos depois de ler O quinze, eu teria esta oportunidade de reencontrá-la! E aprender com você, que mesmo na crônica há espaço para a ficção e poesia.
Você que me lê, quer um exemplo? Leia a Simples história do amolador de facas e tesouras, escrita em 1956, na qual a cronista escolhe um final da história diverso do que lhe foi contado. Ao invés de uma triste tragédia, a felicidade do sonho realizado!

domingo, 12 de novembro de 2023

De onde vem a inspiração? (ou uma crônica em busca de um título)

Na manhã de domingo, o calor primaveril está mais intenso. Uma caipirinha ajuda na busca do frescor. No aplicativo de músicas, uma seleção feita para ele. Assim, informa o menu. Corre o risco, e clica sobre ela. A escolha não o desaponta. Logo depois de Elba Ramalho, entra Chico César com Estado de Poesia.
De repente, talvez inspirado pela canção, ele se põe a escrever. Apesar de poeta também, a escrita segue o rumo da prosa. Naquela manhã, já acordara com vontade de escrever. Às cinco e meia, o sol nascera e seus raios se intrometiam nas frestas das cortinas que não davam conta do tamanho da janela do quarto.
Levantou e fez o café. Na cama, a mulher ainda dormia. O cão, já idoso, saíra de sua cama e se prostara frente ao ventilador que ficara ligado desde que se deitaram. O calor noturno continuava pela manhã. Ao passar pelo cão, desligou o ventilador. A mulher estava coberta, apesar do calor. Não reclamaria. O cão lhe olhou. Parecia aborrecido. Levantou-se e o seguiu à cozinha. Um pouco de ração o acalmou.
Uma xícara de café com uma fatia de pão. O seu desjejum sempre frugal. No pão, sempre manteiga com geleia. Primeiro a manteiga, depois a geleia. Às vezes, um pedaço de fruta. Mamão ou banana. O cão sempre ganha sua parte das frutas. Na manhã de domingo ficou frustrado. Não houve frutas. Mais tarde, quando a mulher se levantasse, uma fatia de mamão estaria à mesa. O cão que esperasse. Ela sempre salva um pedaço para ele. Mais tarde, o levaria para a caminhada matinal e alívio da bexiga e intestino.
Enquanto isso, na penumbra da sala, lhe vieram à mente lembranças do pai. O pai que comia as sementes do mamão. Nunca entendeu como o pai conseguia engulir aquilo. Aliás, havia muitas coisas da vida do pai que não compreendia. Na relação entre pai e filho, havia mais silêncios do que falas. Talvez, se as conversas tivessem sido mais amiúdes, as incompreensões pudessem ter sido menos frequentes. 
Qual o quê! Com um abano de mão, tentou afastar a memória. Reminiscências de uma visão romântica que lhe inculcaram na infância e adolescência. Compreender os mais velhos é obrigação dos mais jovens. Me poupa! Ele falou sozinho na sala.
O cão, já quase surdo, virou a cabeça em sua direção. Teria ouvido? Impossível saber. Mas viu quando  pegou a guia do cão. Imediatamente levantou-se e caminhou em sua direção. Desceram para a caminhada matinal.
Nada como pegar as bostas do cão na calçada para trazer alguém de volta ao mundo real. Que importam as incompreensões? O cotidiano da vida se impõe a qualquer filosofia. Haja chuva ou  faça sol, sigamos em frente. Entre bostas de cachorro, sol primaveril e pouco vento, quem sabe nasça um haicai!