segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Crônicas na Holanda 7 - Você não vai à universidade hoje, né?

Na semana passada, depois de descobrir que as vacinas que tomamos contra a Covid 19 no Brasil não eram aceitas pelo governo holandês, começamos um novo ciclo de vacinação aqui em Utrecht. A primeira dose da Pfizer-BioNtech recebemos no dia 22 de novembro. A segunda dose será em 13 de dezembro. Isto significa que, pelo calendário holandês de vacinação, a partir do dia 27 de dezembro estaremos imunizados. Mais uma vez!

Em termos práticos, do cotidiano da vida, a partir deste dia poderemos entrar em lugares públicos fechados, usando uma máscara facial, tais como bares, restaurantes, cinemas, teatros, museus. Para fazer isso, teremos um código QR em nosso celular no aplicativo que é utilizado aqui na Holanda, o CoronaCheck. O consumo em lojas de varejo é permitido desde que usemos a máscara, sem a necessidade de apresentar o código.

Mas, até o dia 27, toda vez que quisermos fazer alguma atividade de lazer, temos que nos submeter a um teste rápido de antígeno cujo resultado é produzido em meia hora. Há todo um processo de agendamento do teste, em uma das várias unidades das empresas contratadas para fazer o serviço, que é gratuito para a população. Felizmente! O agendamento é feito pelo celular e depois de 24 horas, se quisermos sair novamente, por exemplo, ir a um bar ou restaurante, é necessário novo teste. Em meia hora recebemos o resultado que gera um código QR temporário no CoronaCheck. Há sempre a tensão da espera do resultado. Será negativo de novo? Ou, de alguma forma, nos descuidamos e estamos contaminados? Haja coração! Quando recebo o resultado negativo, brinco:

_ Oba! Temos mais 24 horas de farra pela frente! Vamos pra naiti?

Anteontem, um sábado, estávamos em nossa casa no campus da University College Utrecht quando Erik Stam me enviou uma mensagem pelo Whatsapp. Na mensagem sugeriu nos encontrarmos na manhã de domingo para um café no Wilhelmina Park. Seria uma oportunidade de ele conhecer minha esposa e de nós conhecermos sua esposa. Fizemos o teste em uma unidade muito próxima de onde estamos morando, no final da tarde, e meia hora depois com o resultado negativo, confirmamos o encontro dos casais. Erik e Mirgian foram muito simpáticos e passamos pouco mais de uma hora muito agradável. Nada falamos de trabalho, exceto ao nos despedirmos quando Erik lembrou de nosso encontro previsto para quinta-feira para discutirmos a continuidade de minha pesquisa por aqui.  

Quanto ao convívio com a pandemia de Covid 19, vamos nos ajustando às demandas que surgem dessa doença que, às vezes, nos parece implacável. Houve um recrudescimento da situação da pandemia por aqui. Todo cuidado é pouco! Ontem começaram as novas restrições e recomendações do governo holandês para a população em geral. Entre elas, se puder trabalhe de casa, todas as lojas e serviços não essenciais devem encerrar as atividades às 17 horas e reabrir, somente, após às cinco horas da manhã do dia seguinte. Supermercados, farmácias e outros tipos de negócios ditos essenciais podem ficar abertos até as 20 horas. O uso do aplicativo continua obrigatório, bem como os testes rápidos enquanto não se obtém a comprovação de imunização. Escolas e universidade continuam abertas e recebendo os alunos e alunas, mas com muitas recomendações. E por aí vai!

Mas, a essa altura você deve estar se perguntando sobre o porquê do título dessa crônica, não é? Pois então, depois da primeira dose da Pfizer-BioNtech, minha terceira dose de vacina contra a Covid 19, eu senti alguns sintomas colaterais leves. Fiquei um pouco febril, nada demasiado, e com algumas dores pelo corpo. Os famosos sintomas de uma gripe! Fiquei tranquilo, é claro! Contanto, como sempre, vou narrando os acontecimentos da vida em Utrecht para Paloma e Fernanda. Disse a elas sobre os efeitos colaterais da terceira dose. Nos comunicamos, principalmente, pelo Whatsapp. Fernanda está em Curitiba e Paloma em Austin, Texas. Nos últimos 14 dias, Paloma estava no Brasil passando férias com a irmã e Telma. Assim, aproveitamos e fizemos uma "live" entre pai e filhas para matar as saudades. No dia seguinte à vacinação, recebi de Fernanda uma mensagem que, após saber de meus sintomas, escreveu no Whatsapp:

_ Você não vai à universidade hoje, né?

Minha primeira resposta foi:

_ Não. Vou ficar em casa.

Mas, em seguida, completei:

_ Eu moro na universidade! Kkkkkkkkkkk.

Estou a três minutos de caminhada de minha sala. No entanto, nos dois primeiros dias após a vacina fiquei trabalhando em casa. Na quinta-feira, fui trabalhar na escrivaninha que estou ocupando na sala 2.06 do Adam Smith Hall. Na sexta-feira, trabalhei em casa. Assim, vou tocando a vida por aqui. Às vezes, trabalhando em casa, às vezes em minha sala, que por enquanto divido com dois jovens pesquisadores: Jacob que é holandês; e David, da África do Sul. É bom encontrar pessoas diferentes de vez em quando, não? Na próxima quinta-feira, por exemplo, conversarei com Erik em sua sala, também no Adam Smith Hall. Outro dia, um professor me viu no corredor e se apresentou, ao mesmo tempo em que indagava quem eu era. Professor de econometria, cujo nome me foge agora, muito simpático também, me deu boas vindas, disse que tem um orientando brasileiro e que, qualquer dia me apresentará a ele. Os acasos da vida nos aproximando de outros seres humanos. Isso é bom!

Porém, nesses encontros, observo as recomendações do governo e das autoridades universitárias. Andando pelo prédio devidamente mascarado e, quando em minha estação de trabalho, sem máscara, a uma distância de pelos menos um metro e meio daqueles que estão no mesmo espaço. Higienização das mãos frequentemente também é recomendado. No site da universidade há, inclusive, um fluxo de perguntas cujas respostas são "sim" ou "não" e, a partir delas, você é orientado a ficar em casa, procurar ajuda médica, ou ir para seu ambiente de trabalho. É o Corona check em formato de uma lista de perguntas. Quando de nossa chegada a Utrecht, além das boas-vindas que recebi por correio eletrônico do Diretor Administrativo da Utrecht University School of Economics ele recomendou:

_ Faça o corona check neste link (https://www.uu.nl/sites/default/files/2021%20-%20Corona%20Checkkaart_EN_V6.pdf).

Eu obedeci é claro! E, ao final, fui pela primeira vez à minha sala de trabalho como mostrei na fotografia que ilustra a crônica de número 4 desta série (https://www.blogger.com/blog/post/edit/3364913166267191934/752385384126965484)

A vida segue. Com uma esperança: que a situação não fuja de controle e que não tenhamos que ficar confinados em casa durante muito tempo. Por mais que a vista da janela seja bonita! Mesmo em um dia nublado.



segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Crônicas na Holanda 6 - Alguém disse que seria fácil?

É não é que esta crônica veio bem mais rápida do que a anterior! A de número 5 levou dez dias para tomar a forma escrita. Esta que agora escrevo, nasce em pouco mais de 24 horas. Veja só!
Ontem contei sobre as dificuldades de documentação e de legalização da nossa situação aqui na Holanda. Para hoje, se você se lembra da crônica anterior, nossa tarefa seria obter o reconhecimento de nossos certificados de vacinação contra a Covid 19 no Brasil. Ah, você não leu a crônica anterior? Dá uma olhadinha lá (https://brevestextos.blogspot.com/2021/11/cronicas-na-holanda-5-burocracia-e.html?m=1) antes de continuar por aqui. Pode ser legal. Pelo menos para mim, blogueiro,  pois vai aumentar as estatísticas de acesso ao blog! Hoje, estou querendo fazer graça. Mas, para você também será legal a leitura. Tenho certeza!
Acordei cedo hoje e, depois do café da manhã, me pus a caminho da unidade de saúde de Utrecht onde apresentaria a documentação para ter meu "corona pass" no celular. Decidi juntar o útil ao agradável, e fui caminhando. O local fica ao lado da estação central de trem de Utrecht onde já estive algumas vezes. Uma caminhada de 45 minutos,.com uma parada rápida em uma empresa de fotocópias para imprimir alguns dos comprovantes que precisaria. Em especial, nossas carteiras de vacinação que ontem conseguimos no aplicativo do SUS brasileiro. Cheguei ao local cinco minutos adiantado. Esperei pouco para ser atendido. Logo depois de outro estrangeiro que stava à minha frente. A atendente pediu que me aproximasse e, após minha explicação da situação, ela começou a manusear a papelada. Assim que viu que nossa vacina era Astrazeneca fabricada pela FIOCRUZ, ela ficou muito constrangida e me informou que nossa vacina não era reconhecida pelo governo holandês. Você acredita? 
Eu fiquei estupefato! Tentei entender melhor a situação e, depois de algum tempo, vi que não tinha jeito. A moça acabou me sugerindo que fosse buscar orientação em outra unidade de saúde onde estao sendo feitos os testes de coronavirus e a vacinação. Foi muito cortês e até me levou próximo à janela para me mostrar como chegar ao local.
Lá fui eu para mais um pouco de caminhada por esta Utrecht que hoje estava um pouco mais fria e, ao mesmo tempo, ensolarada. Chegando ao local, contei a história à primeira atendente que me levou a outra. Contei a história de novo, a moça pediu que eu respondesse um questionário sobre coronavirus. Em seguida, me levou à proxima atendente. Repeti a história de que sou do Brasil, minha vacinação não é reconhecida pelo governo holandês. O que fazer? Esta falou para a outra que eu deveriar passar pelos médicos antes.
Me levou a um guichê com dois profissionais: uma mulher mais ou menos da minha idade e um jovem médico entre 30 e 35 anos. Ao ouvirem minha história, acharam um absurdo. Como que minhas vacinas não eram reconhecidas pelo governo holandês. Foram muito solidários comigo. Mas, o que fazer?
O jovem entrou em contato com o coordenador e, logo em seguida, também constrangido me disse que eu teria que ser vacinado novamente, caso estivesse de acordo. Duas doses da Pfizer em um intervalo de três semanas.
Pois é, como você pode ver pela fotografia desta crônica, aceitei a sugestão. No entanto, antes de me vacinar, voltei para casa, pus a companheira a par da situação e, após o almoço lá fomos nós para a vacinação holandesa. Torcendo para os efeitos colaterais não serem muito intensos. Duas semanas depois da segunda dose, teremos nossos "coronas passes".
Como esta crônica tem o mote do não fácil, tem mais uma dificuldade que enfrentamos. Dessa vez em nosso apartamento na Utrecht University. Quando pegamos as chaves, após algum tempo de descanso, resolvemos checar o inventário dos pertences e mobiliário que estão nele. O inventário me foi enviado por correio eletrônico com a instrução de informar caso algo não estivesse correto. Depois da inspeção, verificamos que um par de tesouras de cozinha não se encontravam no apartamento, apesar de listados no inventário.
Dessa forma teria que informar a administradora. Quis, porém, aproveitar a mensagem e pedir uma cópia extra da chave. Com uma segunda chave, teremos mais flexibilidade em nossas atividades que nem sempre serão a dois. Por fim, aproveitei a mensagem para perguntar qual a utilidade de um botão redondo que parecia um controle de algum equipamento elétrico, pois além de fixo à parede, ao lado da janela, estava ligado por um fio a uma tomada. São dois. Um na sala e outro no quarto.
Girei o botão para um lado. Depois para o outro. Aparentemente, nada aconteceu. Ao menos dentro do apartamento. Fiz isso na sala. Depois repeti os movimentos no quarto. Nada! Um mistério!
Tirei uma fotografia de um deles e anexei à minha mensagem peguntando para que serviam? Se era importante eu saber usá-los? Procurei até no Google. Descobri que são um tipo de controle muito comum em aparelhos elétricos que fazem um movimento giratório. Ventiladores, por exemplo. Mas, no apartamento não tem ventilador!
No dia seguinte, voltando de minha sala de trabalho, vi que as janelas dos apartamentos, inclusive o nosso, têm toldos. Alguns estavam abaixados, outros erguidos. Entrei no apartamento, fui até a janela da sala e virei o botão para um lado com uma seta apontando para baixo. Olhei para a janela. Bingo! O toldo estava abaixando. Virei para o outro lado com a seta para a cima. O toldo começou a subir. 
Logo depois mandei uma mensagem para a administradora:
_ Não se preocupe. Já sei para que serve o botão giratório (round switch).
Agora no final da tarde, ela informou que amanhã trará as tesouras. Quanto à chave, vai ver se há uma cópia extra.
Enfim, nem sempre as coisas são fáceis. Mas, com um pouco de paciência elas vão se resolvendo. Algumas de forma tranquila e outras com um pouquinho mais de dor. Mais duas injeções!

domingo, 21 de novembro de 2021

Crônicas na Holanda 5 - Burocracia e jeitinho é só no Brasil?

Depois de exatos 31 dias em Amsterdam, no último dia 18 nos mudamos para Utrecht. A princípio nossa estada em Amsterdam seria até 31 de dezembro. Neste período, eu iria para Utrecht por trem para desenvolver minhas atividades no pós doutorado.
Apesar da viagem rápida entre as duas cidades, vinte minutos apenas, com os deslocamentos de casa para a  estação Amstel em Amsterdam e da estação Central em Utrecht até a Utrech University School of Economics, a viagem duraria mais 50 minutos. Ou seja, nos trajetos de ida e volta, a cada viagem um total de duas horas e vinte minutos. Sem contar os gastos das passagens de ida e volta, em torno de sete euros por dia.
No entanto, mais do que o tempo de viagem e a despesa em euros, o que mais me incomodava na situação era uma sensação de transitoriedade. Ou um sentimento desconfortável de uma situação ainda provisória. Quase que diariamente, lidava com esse desconforto, quase angústia, com caminhadas pela Amsterdam que estávamos conhecendo. em especial na região do Oosterpark e às margens do Amstel.
Neste contexto, sentia dificuldades de focar em meu projeto. Apesar de minha forte disciplina e capacidade de concentração elevada, me sentia quase um turista em Amsterdam. Felizmente, meu cronograma de estudo previu 30 dias de revisão da literatura recente em meu tema de pesquisa. Consegui fazer novas leituras e rever outras em Amsterdam mesmo, embora tenha vindo algumas vezes para Utrecht. Me dediquei também à revisão de um livro no tema de meu pós doutoramento que será lançado em abril do ano que vem em Curitiba. Uma parceria com Rafael Stefenon e Edmundo Inácio Júnior, estimados amigos e dedicados estudiosos do empreendedorismo. Estas leituras, inclusive do livro inédito,  me permitiram pensar alguns ajustes no trabalho empírico que começarei em breve.
Ainda em Amsterdam, certo dia resolvi acessar o site da unidade de administração dos apartamentos da universidade que são alugados para períodos de curta duração. É o caso da minha estadia na Utrecht University. Localizei um apartamento disponível a partir do dia 18 de novembro. E melhor ainda, no mesmo prédio para onde nos mudaríamos em janeiro. Tentei reservar pelo próprio site, mas não consegui. Depois, tentei por correio eletrônico. Duas ou três mensagens. Também sem resposta. Por fim, decidi ligar. Sucesso! E ainda, com um pouco de flexibilidade. A princípio os períodos de aluguel se iniciam sempre na primeira terça-feira de cada mês. Mas, concordaram com nossa entrada antecipada no dia 18. Afinal, um pouco mais de renda com o aluguel não faz mal a ninguém! E aqui estamos.
Aliás este episódio me permitiu uma comparação cultural. Seria o jeitinho algo especificamente brasileiro? Ou há chances de um jeitinho holandês?
Quando estava começando os preparativos para este período de estudos na Holanda, o professor com quem estou trabalhando aqui, me colocou em contato com um funcionário da universidade e me disse:
_ Willem vai lhe ajudar com a burocracia holandesa.
Nossa interação foi por correio eletrônico. E, realmente, foi um processo lento e complicado de busca de documentos meus e de Edra que precisaram ser traduzidos, impressos, assinados, registrados em cartório e, por fim, digitalizados e enviados por correio eletrônico. Além de Willem e sua equipe na Utrecht University School of Economics, tive o apoio da equipe da unidade internacional da Utrecht University. Depois de muito esforço de preparação dos documentos, tradução para o inglês pela minha querida irmã Kilda Gimenez, tradutora juramentada a quem serei eternamente grato, aprovação pela imigração holandesa, ida ao consulado da Holanda em São Paulo, o processo foi concluído. Dez dias antes do prazo previsto para minha chegada em Amsterdam, recebemos os passaportes com os vistos aprovados e compramos a passagem para o dia 17 de outubro. 
A viagem teve alguns contratempos. Mas, isto você, talvez, já saiba se leu a primeira crônica desta série. Se não o fez, fica o convite para fazê-lo neste mesmo "batcanal"! (Batcanal é uma expressão que só os mais "experientes" conhecem).
Neste processo todo, havia uma etapa que me preocupava  muito. Ao chegar na Holanda, deveríamos nos registrar na municipalidade de Utrecht para termos um número de seguridade social. É um requisito essencial para uma permanência legalizada na Holanda por tempo superior a três meses. Para isso seria necessário ter um endereço na região de Utrecht, da qual Amsterdam não faz parte. Para nossa felicidade, não é que teve o jeitinho holandês! Fui informado que poderíamos ter um documento da Utrecht University com um endereço provisório. No entanto, não poderia dizer que estávamos em Amsterdam temporariamente. Com os documentos necessários, fizemos nosso registro e estamos legalizados na Holanda. Ninguém nos perguntou onde estávamos hospedados.
Mas, nem sempre o jeitinho holandês funciona! Devido à situação de pandemia da Covid 19, a Holanda e os outros países da União Europeia criaram um "corona pass" que deve ser mostrado em bares, restaurantes, museus e outros espaços públicos de entrada controlada. Isto é feito por meio de um aplicativo de celular. Mas, há um problema! O aplicativo usa o número de seguridade social para verificar se a pessoa já recebeu as duas doses de vacina na Holanda. Quem recebeu uma ou as duas doses em outro país, que não seja da União Europeia, deve agendar um atendimento presencial na unidade de saúde regional e apresentar o comprovante de vacinação do país de origem. Aparentemente simples, não é?
Mais ou menos, na verdade! O agendamento deve ser feito por telefone e o comprovante de vacinação tem que atender uma série de requisitos. A princípio nossa carteira de vacinação impressa ou do aplicativo da prefeitura de Curitiba atende aos requisitos. Chequei antes de fazer a ligação. Afinal, brasileiro já é escolado com burocracia, não é? Não importa se própria ou estrangeira, a gente aprende a vencer a "batalha do papel". Agora, nos tempos contemporâneos, a "batalha do arquivo digital".
Cheio de confiança, peguei meu celular e liguei com meu número holandês. Um pré-pago! Expliquei a situação: casal brasileiro, vacinados com duas doses de AstraZeneca, já com número de seguridade social e permissão de residência na Holanda até dia 18 de abril de 2022, querendo ter o corona pass.
Depois de responder uma grande quantidade de perguntas, a pessoa do outro lado da linha aceitou fazer meu agendamento. Eu sei que celular não tem linha, mas não importa! Você deve conhecer esta expressão brasileira sobre conversas telefônicas. Confirmada minha entrevista para segunda-feira pela manhã, indaguei:
_ Vamos agendar o atendimento de minha esposa?
_ Ela está aí ao seu lado?
_ Não. Estou em minha sala na universidade.
_ Então não posso fazer. Ela precisa confirmar que quer fazê-lo.
Não teve jeito, nem jeitinho! Ao final da tarde, contei para ela o acontecido. Tentei fazer o agendamento com ela a meu lado. Já tinha passado da hora de fechamento do atendimento. Ficou para o dia seguinte. Na manhã seguinte, conseguimos fazer o agendamento dela. No mesmo "batcanal", mas não na mesma "bathora". Ela será atendida na segunda à tarde. Tudo devidamente confirmado por correio eletrônico e mensagens no celular.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Crônicas na Holanda 4 - Espantos, encantamentos e demandas do cotidiano

Entre o espanto com o estrangeiro, o encantamento com a paisagem e as demandas da vida institucionalizada, um cotidiano aos poucos vai sendo construído. No país que nos acolherá por seis meses, se quiser precisão, leitora ou leitor, serão 183 dias e noites em terras holandesas. Entre a chegada no dezessete de outubro de dois mil e vinte e um e a partida prevista para o dezoito de abril de dois mil e  vinte e dois. Por extenso! Para enganar Cronos que faz o tempo ser tão curto face às demandas, desejos e planos que integram a vida.
Enquanto escrevo mais uma dessas crônicas na Holanda, a de número 4,  Cronos já nos consumiu 23 noites/dias. Como você pode conferir, leitora ou leitor da precisão, são 12,57% do tempo que nos cabe neste cronofúndio!
Entre ontem e hoje, vencemos duas batalhas institucionais que nos eram demandadas das autoridades holandesas. Ontem, na municipalidade, obtivemos nosso numero de registro que, entre outras coisas, garante a possibilidade de uma vida "legalizada" em Utrecht com endereço provisório fornecido pela Utrecht University. A partir do dia 18, estaremos em apartamento alugado no campus universitário. Apenas, três minutos de caminhada até minha sala de trabalho. Em que, ontem também, já trabalhei as primeiras horas em minha "desk". Ao menos, no deslocamento casa/trabalho, poderei ser mais rápido que Cronos (pura ilusão deste escriba, é claro!).
E hoje, a segunda batalha institucional vencida. Obtivemos nosso "residence permit", um cartão de identidade, fornecido pelo departamento de imigração. Será nossa identidade neste tempo que nos resta em terras holandesas. Até o dezoito de abril do próximo ano que é a data de validade registrada em ambos os cartões, de Edra e meu, nossos passaportes serão desnecessários nos Países Baixos.
Desde a chegada, vamos criando nossas rotinas. Leituras, escritas, refeições, passeios. Entre estas, vou tentando, por meio de site gratuito na internet, a aprendizagem do holandês. Não é obrigatório, já que a língua inglesa permite um diálogo com praticamente qualquer pessoa por aqui. Mas, desejo ser capaz de um mínimo de conversa em holandês. 
Entre alsjebliefts, goedemorgens e dank je wels (por favores, bons dias e obrigados), aos poucos vou construindo uma pouca competência linguística que pemite conseguir um sorriso como ocorreu ontem ao comprar um sanduíche e agradecer com "dank je wel". Além do sorriso, um estímulo com um "very good".
Ontem, enquanto conversava com dois jovens pesquisadores que dividirão a sala comigo, um deles peguntou-me se tinha planos de adotar a bicicleta como meio de transporte.
A princípio disse que não, pois estarei morando tão próximo ao prédio da Escola de Economia da Utrecht University onde realizarei o pós doutorado. No entanto confessei a ele e o outro colega o meu espanto com a velocidade em que os locais andam de bicicleta. São muto rápidos! Além do espanto, confessei meu medo também. Receio sofrer algum acidente por falta de competência no trânsito ciclístico de Utrecht.
Mas, quem sabe mais à frente, com um pouco mais de vida cotidiana em Utrecht, eu acabe criando coragem e tente essa modalidade de transporte. É um "mar" de bicicletas! 
Preciso ver se meu seguro cobre acidentes de trânsito com bicicletas. Mas, não tenha dúvidas, minha cara leitora e caro leitor: um dia vou experimentar. Depois lhes conto!

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Crônicas na Holanda 3 - Sobre pessoas, livros e valores

Hoje é o 18º. dia de estada em Amsterdam. Em duas semanas, estaremos morando em Utrecht. Nossa estada lá será pelos cinco meses restantes de meu pós-doutorado na Utrecht University. Minhas atividades de pesquisa começaram, formalmente, no dia 20 quando Erik Stam me recebeu para nossa primeira reunião na Utrecht University School of Economics. Nosso encontro estava agendado para as 13 horas. Eu cheguei meia hora mais cedo. Erik foi quase pontuou. Poucos minutos após a hora marcada. Como diria Fernanda, minha filha: Susse!

Foi nosso primeiro encontro presencial. Ele me cumprimentou de forma quase esfuziante, muito simpático e sorridente com um "Oi Fernando, finalmente nos encontramos pessoalmente. Seja bem-vindo a Utrecht e nossa universidade". Já havíamos nos falado em uma conversa online, quando conversamos sobre minha vinda para a Holanda, e nos encontramos, também online, em uma sessão de um evento científico, o Babson College Entrepreneurship Research Conference, edição de 2021.

Depois de nossas falas iniciais, Erik me perguntou se me incomodaria se fizéssemos um "walking lunch". Me informou que, em geral, os holandeses fazem um almoço leve. Obviamente, aceitei a sugestão e fomos caminhando até um pequeno restaurante próximo do campus onde realizarei meus estudos. No caminho, falamos um pouco sobre a situação da pandemia, tanto no Brasil quanto na Holanda, sobre as respectivas famílias e, naturalmente, sobre meu projeto de pesquisa.

Ao chegarmos ao restaurante, cada um de nós escolheu seu sanduíche que, após ficarem prontos, Erik pagou a conta e iniciamos nosso caminho de volta, conversando e comendo. Na volta, Erik fez um pequeno "tour" comigo no campus, me contando um pouco da história do lugar. Depois, voltamos para sua sala e trocamos as primeiras ideias sobre como avançar com minhas atividades de pós-doutorado. Pouco antes das 14 horas, ele me disse que tinha outros compromissos. Agradeci a atenção e simpatia dele, combinamos os próximos passos e pedi que ele me indicasse uma sala onde pudesse me sentar, pois dali meia hora teria uma entrevista online com Marja, a funcionária da unidade responsável pela recepção e orientação dos pesquisadores e estudantes estrangeiros que vêm para a Utrecht University.

Foi Marja quem me orientou pelo longo processo de preparação de documentos e procedimentos necessários para obtenção do visto holandês que foi, finalmente, concluído, cerca de duas semanas antes do dia que embarcamos para cá. Muito competente, Marja já havia me informado sobre o conteúdo que seria tratado em nossa conversa e passou por cada um dos tópicos, me dando as orientações e recomendações necessárias. Depois da reunião, me enviou uma mensagem de correio eletrônico com todas as informações e documentos que precisarei em minha vida na Holanda. Foi nessa reunião que Marja pediu o endereço de onde estamos ficando em Amsterdam e me disse que enviaria um pacote de boas vindas pelo correio (uma welcome box). Uma semana depois, o carteiro chegou com uma caixa em que havia, entre muitos folhetos, uma bolsa da Utrecht University, um cartão de transporte público já carregado com 20 euros para meu uso, e a 21ª. edição do Holland Handbook – The indispensable guide to the Netherlands.

Durante a entrevista, Marja me informou também que, quando nos mudarmos para Utrecht receberemos em nosso apartamento uma caixa com produtos de uso residencial e alimentos que será entregue por um supermercado. Aliás, quando a informei que consegui um apartamento para nos mudarmos já no próximo dia 18, ela perguntou se eu não me importaria de receber a caixa do supermercado no dia 20, um sábado, já que precisaremos ficar em casa até a encomenda chegar, pois não é possível agendar uma hora precisa. Foi uma recepção da qual não posso reclamar, não acha?

Dois dias atrás, comecei a ler o Holland Handbook. No primeiro capítulo, um pouco da história e dos costumes de vida nesse país em que estaremos por seis meses. Fiquei sabendo porque o país é chamado de Holanda, quando seu nome é Países Baixos (Netherlands). Tem a ver com a forte presença da região denominada Holanda (do norte e do sul) nos primeiros períodos de atuação no comércio mundial. Ou seja, a parte, Holanda, foi tomada pelo todo, Países Baixos. Aprendi sobre o sistema político, a monarquia, um pouco da economia., costumes em datas especiais e festividades.

Mas, o que mais me chamou a atenção foi um texto, já no segundo capítulo, escrito por Arnold Enklaar cujo título é Twelve clues to understanding Dutch mentality (Doze dicas para entender a mentalidade holandesa). No texto, o autor comenta sobre 12 princípios ou valores que fazem parte da cultura holandesa e como eles podem ajudar a entender seu povo. Os nove primeiros têm origem na religião cristã (Catolicismo e Protestantismo), enquanto os três últimos dizem mais respeito a um comportamento mais tipicamente holandês, pelo menos na visão do autor. Eles são: consenso, no sentido de que os holandeses, em geral, evitam conflitos e tentam buscar soluções de harmonia e compromisso entre as partes; igualdade, ou seja, não se deve pensar que somos melhores do que o outro; e autodeterminação, você é quem decide o que você faz e não seus pais, chefe ou governo. Apesar dos riscos de estereotipagem, sabe que fiquei positivamente impressionado com estes três princípios. Tem tudo a ver como minha visão de mundo!

Então, vou aprendendo sobre a Holanda, seja lendo, seja caminhando por lugares novos, seja interagindo com pessoas nas lojas em que tenho que fazer compras. Em geral, a forma atenciosa e gentil com que nos tratam me deixa muito alegre. Quando percebem que não falo holandês, imediatamente mudam para o inglês. Assim como Erik e Marja, em cada interação com as pessoas daqui recebo um tratamento respeitoso, educado e gentil. Por exemplo, outro dia fiquei confuso sobre como comprar um ticket em uma estação de metrô. Perguntei a um dos funcionários que estava no hall da estação. Ele foi comigo até a máquina e me orientou por todo o processo com muita gentileza e falando em inglês enquanto eu apertava os "botões" escritos em holandês!

Mas, para além da interação com pessoas, entre as muitas coisas diferentes que já vi, tem uma que me deixou encantado. Em vários lugares, percebi a existência de pequenas bibliotecas em frente a residências ou pequenas lojas. Há uma bem ao lado do prédio onde estamos morando. São bibliotecas de acesso livre, tanto para pegar livros, quanto para doar. Quem quiser pode pegar um livro e deixar outro. Se não tiver um para deixar, pode devolver o livro que pegou após terminar a leitura. Não é uma coisa específica da Holanda, mas me parece que, pelo menos em Amsterdam, é muito comum. Outro dia vi uma senhora escolhendo um livro. Ontem, vi um senhor organizando os livros na pequena biblioteca. É muito provável que seja o idealizador da biblioteca da Vrolikstraat, nome da rua onde estamos temporariamente residindo.

Ao passar por ele, fiquei curioso em saber qual seria a reação dele ao ver que, na pequena biblioteca já tem um exemplar do “Nos tempos do Gimenez”. Pois é, não resisti à tentação e, ao mesmo tempo obrigação, de deixar meu livro mais recente à disposição de algum leitor ou leitora que eventualmente domine nossa língua. Fiz isso, porque outro dia, fuçando nos livros da pequena biblioteca encontrei um livro de bolso com tirinhas do Snoopy e Charlie Brown que adorava ler em minha adolescência. É um exemplar publicado em 1971 por uma editora de Utrecht (olha a coincidência!). Afinal, preciso continuar meu esforço diário de aprender holandês. E neste livreto há uma vantagem: às vezes são só imagens, sem textos. Charles M. Schulz foi um mestre dos quadrinhos que dominava a arte de comunicar apenas com desenhos também!