quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Crônicas na Holanda 3 - Sobre pessoas, livros e valores

Hoje é o 18º. dia de estada em Amsterdam. Em duas semanas, estaremos morando em Utrecht. Nossa estada lá será pelos cinco meses restantes de meu pós-doutorado na Utrecht University. Minhas atividades de pesquisa começaram, formalmente, no dia 20 quando Erik Stam me recebeu para nossa primeira reunião na Utrecht University School of Economics. Nosso encontro estava agendado para as 13 horas. Eu cheguei meia hora mais cedo. Erik foi quase pontuou. Poucos minutos após a hora marcada. Como diria Fernanda, minha filha: Susse!

Foi nosso primeiro encontro presencial. Ele me cumprimentou de forma quase esfuziante, muito simpático e sorridente com um "Oi Fernando, finalmente nos encontramos pessoalmente. Seja bem-vindo a Utrecht e nossa universidade". Já havíamos nos falado em uma conversa online, quando conversamos sobre minha vinda para a Holanda, e nos encontramos, também online, em uma sessão de um evento científico, o Babson College Entrepreneurship Research Conference, edição de 2021.

Depois de nossas falas iniciais, Erik me perguntou se me incomodaria se fizéssemos um "walking lunch". Me informou que, em geral, os holandeses fazem um almoço leve. Obviamente, aceitei a sugestão e fomos caminhando até um pequeno restaurante próximo do campus onde realizarei meus estudos. No caminho, falamos um pouco sobre a situação da pandemia, tanto no Brasil quanto na Holanda, sobre as respectivas famílias e, naturalmente, sobre meu projeto de pesquisa.

Ao chegarmos ao restaurante, cada um de nós escolheu seu sanduíche que, após ficarem prontos, Erik pagou a conta e iniciamos nosso caminho de volta, conversando e comendo. Na volta, Erik fez um pequeno "tour" comigo no campus, me contando um pouco da história do lugar. Depois, voltamos para sua sala e trocamos as primeiras ideias sobre como avançar com minhas atividades de pós-doutorado. Pouco antes das 14 horas, ele me disse que tinha outros compromissos. Agradeci a atenção e simpatia dele, combinamos os próximos passos e pedi que ele me indicasse uma sala onde pudesse me sentar, pois dali meia hora teria uma entrevista online com Marja, a funcionária da unidade responsável pela recepção e orientação dos pesquisadores e estudantes estrangeiros que vêm para a Utrecht University.

Foi Marja quem me orientou pelo longo processo de preparação de documentos e procedimentos necessários para obtenção do visto holandês que foi, finalmente, concluído, cerca de duas semanas antes do dia que embarcamos para cá. Muito competente, Marja já havia me informado sobre o conteúdo que seria tratado em nossa conversa e passou por cada um dos tópicos, me dando as orientações e recomendações necessárias. Depois da reunião, me enviou uma mensagem de correio eletrônico com todas as informações e documentos que precisarei em minha vida na Holanda. Foi nessa reunião que Marja pediu o endereço de onde estamos ficando em Amsterdam e me disse que enviaria um pacote de boas vindas pelo correio (uma welcome box). Uma semana depois, o carteiro chegou com uma caixa em que havia, entre muitos folhetos, uma bolsa da Utrecht University, um cartão de transporte público já carregado com 20 euros para meu uso, e a 21ª. edição do Holland Handbook – The indispensable guide to the Netherlands.

Durante a entrevista, Marja me informou também que, quando nos mudarmos para Utrecht receberemos em nosso apartamento uma caixa com produtos de uso residencial e alimentos que será entregue por um supermercado. Aliás, quando a informei que consegui um apartamento para nos mudarmos já no próximo dia 18, ela perguntou se eu não me importaria de receber a caixa do supermercado no dia 20, um sábado, já que precisaremos ficar em casa até a encomenda chegar, pois não é possível agendar uma hora precisa. Foi uma recepção da qual não posso reclamar, não acha?

Dois dias atrás, comecei a ler o Holland Handbook. No primeiro capítulo, um pouco da história e dos costumes de vida nesse país em que estaremos por seis meses. Fiquei sabendo porque o país é chamado de Holanda, quando seu nome é Países Baixos (Netherlands). Tem a ver com a forte presença da região denominada Holanda (do norte e do sul) nos primeiros períodos de atuação no comércio mundial. Ou seja, a parte, Holanda, foi tomada pelo todo, Países Baixos. Aprendi sobre o sistema político, a monarquia, um pouco da economia., costumes em datas especiais e festividades.

Mas, o que mais me chamou a atenção foi um texto, já no segundo capítulo, escrito por Arnold Enklaar cujo título é Twelve clues to understanding Dutch mentality (Doze dicas para entender a mentalidade holandesa). No texto, o autor comenta sobre 12 princípios ou valores que fazem parte da cultura holandesa e como eles podem ajudar a entender seu povo. Os nove primeiros têm origem na religião cristã (Catolicismo e Protestantismo), enquanto os três últimos dizem mais respeito a um comportamento mais tipicamente holandês, pelo menos na visão do autor. Eles são: consenso, no sentido de que os holandeses, em geral, evitam conflitos e tentam buscar soluções de harmonia e compromisso entre as partes; igualdade, ou seja, não se deve pensar que somos melhores do que o outro; e autodeterminação, você é quem decide o que você faz e não seus pais, chefe ou governo. Apesar dos riscos de estereotipagem, sabe que fiquei positivamente impressionado com estes três princípios. Tem tudo a ver como minha visão de mundo!

Então, vou aprendendo sobre a Holanda, seja lendo, seja caminhando por lugares novos, seja interagindo com pessoas nas lojas em que tenho que fazer compras. Em geral, a forma atenciosa e gentil com que nos tratam me deixa muito alegre. Quando percebem que não falo holandês, imediatamente mudam para o inglês. Assim como Erik e Marja, em cada interação com as pessoas daqui recebo um tratamento respeitoso, educado e gentil. Por exemplo, outro dia fiquei confuso sobre como comprar um ticket em uma estação de metrô. Perguntei a um dos funcionários que estava no hall da estação. Ele foi comigo até a máquina e me orientou por todo o processo com muita gentileza e falando em inglês enquanto eu apertava os "botões" escritos em holandês!

Mas, para além da interação com pessoas, entre as muitas coisas diferentes que já vi, tem uma que me deixou encantado. Em vários lugares, percebi a existência de pequenas bibliotecas em frente a residências ou pequenas lojas. Há uma bem ao lado do prédio onde estamos morando. São bibliotecas de acesso livre, tanto para pegar livros, quanto para doar. Quem quiser pode pegar um livro e deixar outro. Se não tiver um para deixar, pode devolver o livro que pegou após terminar a leitura. Não é uma coisa específica da Holanda, mas me parece que, pelo menos em Amsterdam, é muito comum. Outro dia vi uma senhora escolhendo um livro. Ontem, vi um senhor organizando os livros na pequena biblioteca. É muito provável que seja o idealizador da biblioteca da Vrolikstraat, nome da rua onde estamos temporariamente residindo.

Ao passar por ele, fiquei curioso em saber qual seria a reação dele ao ver que, na pequena biblioteca já tem um exemplar do “Nos tempos do Gimenez”. Pois é, não resisti à tentação e, ao mesmo tempo obrigação, de deixar meu livro mais recente à disposição de algum leitor ou leitora que eventualmente domine nossa língua. Fiz isso, porque outro dia, fuçando nos livros da pequena biblioteca encontrei um livro de bolso com tirinhas do Snoopy e Charlie Brown que adorava ler em minha adolescência. É um exemplar publicado em 1971 por uma editora de Utrecht (olha a coincidência!). Afinal, preciso continuar meu esforço diário de aprender holandês. E neste livreto há uma vantagem: às vezes são só imagens, sem textos. Charles M. Schulz foi um mestre dos quadrinhos que dominava a arte de comunicar apenas com desenhos também!



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