domingo, 21 de novembro de 2021

Crônicas na Holanda 5 - Burocracia e jeitinho é só no Brasil?

Depois de exatos 31 dias em Amsterdam, no último dia 18 nos mudamos para Utrecht. A princípio nossa estada em Amsterdam seria até 31 de dezembro. Neste período, eu iria para Utrecht por trem para desenvolver minhas atividades no pós doutorado.
Apesar da viagem rápida entre as duas cidades, vinte minutos apenas, com os deslocamentos de casa para a  estação Amstel em Amsterdam e da estação Central em Utrecht até a Utrech University School of Economics, a viagem duraria mais 50 minutos. Ou seja, nos trajetos de ida e volta, a cada viagem um total de duas horas e vinte minutos. Sem contar os gastos das passagens de ida e volta, em torno de sete euros por dia.
No entanto, mais do que o tempo de viagem e a despesa em euros, o que mais me incomodava na situação era uma sensação de transitoriedade. Ou um sentimento desconfortável de uma situação ainda provisória. Quase que diariamente, lidava com esse desconforto, quase angústia, com caminhadas pela Amsterdam que estávamos conhecendo. em especial na região do Oosterpark e às margens do Amstel.
Neste contexto, sentia dificuldades de focar em meu projeto. Apesar de minha forte disciplina e capacidade de concentração elevada, me sentia quase um turista em Amsterdam. Felizmente, meu cronograma de estudo previu 30 dias de revisão da literatura recente em meu tema de pesquisa. Consegui fazer novas leituras e rever outras em Amsterdam mesmo, embora tenha vindo algumas vezes para Utrecht. Me dediquei também à revisão de um livro no tema de meu pós doutoramento que será lançado em abril do ano que vem em Curitiba. Uma parceria com Rafael Stefenon e Edmundo Inácio Júnior, estimados amigos e dedicados estudiosos do empreendedorismo. Estas leituras, inclusive do livro inédito,  me permitiram pensar alguns ajustes no trabalho empírico que começarei em breve.
Ainda em Amsterdam, certo dia resolvi acessar o site da unidade de administração dos apartamentos da universidade que são alugados para períodos de curta duração. É o caso da minha estadia na Utrecht University. Localizei um apartamento disponível a partir do dia 18 de novembro. E melhor ainda, no mesmo prédio para onde nos mudaríamos em janeiro. Tentei reservar pelo próprio site, mas não consegui. Depois, tentei por correio eletrônico. Duas ou três mensagens. Também sem resposta. Por fim, decidi ligar. Sucesso! E ainda, com um pouco de flexibilidade. A princípio os períodos de aluguel se iniciam sempre na primeira terça-feira de cada mês. Mas, concordaram com nossa entrada antecipada no dia 18. Afinal, um pouco mais de renda com o aluguel não faz mal a ninguém! E aqui estamos.
Aliás este episódio me permitiu uma comparação cultural. Seria o jeitinho algo especificamente brasileiro? Ou há chances de um jeitinho holandês?
Quando estava começando os preparativos para este período de estudos na Holanda, o professor com quem estou trabalhando aqui, me colocou em contato com um funcionário da universidade e me disse:
_ Willem vai lhe ajudar com a burocracia holandesa.
Nossa interação foi por correio eletrônico. E, realmente, foi um processo lento e complicado de busca de documentos meus e de Edra que precisaram ser traduzidos, impressos, assinados, registrados em cartório e, por fim, digitalizados e enviados por correio eletrônico. Além de Willem e sua equipe na Utrecht University School of Economics, tive o apoio da equipe da unidade internacional da Utrecht University. Depois de muito esforço de preparação dos documentos, tradução para o inglês pela minha querida irmã Kilda Gimenez, tradutora juramentada a quem serei eternamente grato, aprovação pela imigração holandesa, ida ao consulado da Holanda em São Paulo, o processo foi concluído. Dez dias antes do prazo previsto para minha chegada em Amsterdam, recebemos os passaportes com os vistos aprovados e compramos a passagem para o dia 17 de outubro. 
A viagem teve alguns contratempos. Mas, isto você, talvez, já saiba se leu a primeira crônica desta série. Se não o fez, fica o convite para fazê-lo neste mesmo "batcanal"! (Batcanal é uma expressão que só os mais "experientes" conhecem).
Neste processo todo, havia uma etapa que me preocupava  muito. Ao chegar na Holanda, deveríamos nos registrar na municipalidade de Utrecht para termos um número de seguridade social. É um requisito essencial para uma permanência legalizada na Holanda por tempo superior a três meses. Para isso seria necessário ter um endereço na região de Utrecht, da qual Amsterdam não faz parte. Para nossa felicidade, não é que teve o jeitinho holandês! Fui informado que poderíamos ter um documento da Utrecht University com um endereço provisório. No entanto, não poderia dizer que estávamos em Amsterdam temporariamente. Com os documentos necessários, fizemos nosso registro e estamos legalizados na Holanda. Ninguém nos perguntou onde estávamos hospedados.
Mas, nem sempre o jeitinho holandês funciona! Devido à situação de pandemia da Covid 19, a Holanda e os outros países da União Europeia criaram um "corona pass" que deve ser mostrado em bares, restaurantes, museus e outros espaços públicos de entrada controlada. Isto é feito por meio de um aplicativo de celular. Mas, há um problema! O aplicativo usa o número de seguridade social para verificar se a pessoa já recebeu as duas doses de vacina na Holanda. Quem recebeu uma ou as duas doses em outro país, que não seja da União Europeia, deve agendar um atendimento presencial na unidade de saúde regional e apresentar o comprovante de vacinação do país de origem. Aparentemente simples, não é?
Mais ou menos, na verdade! O agendamento deve ser feito por telefone e o comprovante de vacinação tem que atender uma série de requisitos. A princípio nossa carteira de vacinação impressa ou do aplicativo da prefeitura de Curitiba atende aos requisitos. Chequei antes de fazer a ligação. Afinal, brasileiro já é escolado com burocracia, não é? Não importa se própria ou estrangeira, a gente aprende a vencer a "batalha do papel". Agora, nos tempos contemporâneos, a "batalha do arquivo digital".
Cheio de confiança, peguei meu celular e liguei com meu número holandês. Um pré-pago! Expliquei a situação: casal brasileiro, vacinados com duas doses de AstraZeneca, já com número de seguridade social e permissão de residência na Holanda até dia 18 de abril de 2022, querendo ter o corona pass.
Depois de responder uma grande quantidade de perguntas, a pessoa do outro lado da linha aceitou fazer meu agendamento. Eu sei que celular não tem linha, mas não importa! Você deve conhecer esta expressão brasileira sobre conversas telefônicas. Confirmada minha entrevista para segunda-feira pela manhã, indaguei:
_ Vamos agendar o atendimento de minha esposa?
_ Ela está aí ao seu lado?
_ Não. Estou em minha sala na universidade.
_ Então não posso fazer. Ela precisa confirmar que quer fazê-lo.
Não teve jeito, nem jeitinho! Ao final da tarde, contei para ela o acontecido. Tentei fazer o agendamento com ela a meu lado. Já tinha passado da hora de fechamento do atendimento. Ficou para o dia seguinte. Na manhã seguinte, conseguimos fazer o agendamento dela. No mesmo "batcanal", mas não na mesma "bathora". Ela será atendida na segunda à tarde. Tudo devidamente confirmado por correio eletrônico e mensagens no celular.

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