sábado, 4 de dezembro de 2021

Crônicas na Holanda 8 - Quatro ícones holandeses

Então, eu sei que a leitora ou o leitor que acompanha esta série de crônicas, pode achar estranho o uso do adjetivo "holandês" e suas variações nos meus textos. Mas, é difícil mudar um hábito de toda uma vida assim de uma hora para outra. Embora eu tenho explicado, em outra crônica (https://brevestextos.blogspot.com/2021/11/cronicas-na-holanda-3-sobre-pessoas.html), que agora a Holanda deve ser chamada de Países Baixos, visto que Holanda é apenas uma parte desse país, para mim ainda surge automaticamente a palavra holandês para qualificar o povo e as coisas daqui. Afinal, será que alguém saberia do que eu quero falar se escrevesse neerlandês ou neerlandesa?
Desde a escola primária e secundária, aprendi sobre a Holanda e os holandeses. Principalmente nas aulas de geografia e história. Assim, com a devida vênia, como costumam se expressar os praticantes do Direito, sigo no uso do termo popular, mas consciente da minha falta de  precisão. Portanto, para não complicar muito minha vida e da meia dúzia de leitoras e leitores fiéis ao blog, continuarei usando o modo comum de me referir às pessoas, à vida e aos fatos desse país.
Todo esse falatório ou escrevinhatório serve apenas de mote para eu falar de quatro ícones da vida holandesa. É claro que pode ou deve haver outros pois a própria palavra "holandês" pode ser um ícone também que nos traz inúmeras imagens, indícios e significados . Três dos ícones que quero comentar são muito conhecidos por mim e, imagino por muita gente. O último, porém, só vim conhecer quando aqui cheguei.
Começo pelos mais comuns. Não há como negar que moinhos, canais e bicicletas são palavras e imagens que carregam um forte indício de vida holandesa ou sentimento de algo holandês. É claro que canais podem nos lembrar Veneza. Também, moinhos nos remetem à Espanha e as aventuras de Don Quijote de La Mancha narradas por Miguel de Cervantes. Mas, se falamos de canais, moinhos e bicicletas, não há como deixar de pensar em alguma paisagem holandesa, não é mesmo?
Por isso, na imagem que uso para ilustrar esta crônica juntei uma fotografia do Molen de Ster, moinho que fica no Molen Park em Utrecht. Ao lado do moinho, na fotografia e não na geografia, coloquei uma imagem do canal Kromme Niewegracht que fotografei hoje pela manhã a partir da Driftbrug (Ponte Drift) muito próxima à biblioteca da Utrecht University.
Na parte inferior da imagem, ao invés da fotografia de bicicletas, escolhi a fotografia de uma bomba manual de encher pneus de bicicletas. A bomba, um ícone por si só, me trouxe à memória lembranças do Supermercado Gimenez em Londrina. Tínhamos duas bicicletas utilizadas para entregas a domicilio e uma bomba desse tipo. Mas, isto é história para outro post. 
Aqui e agora quero falar do que me indiciou esta bomba de pneus de bicicleta em Utrecht. Esta fotografia tirei em frente a uma loja de venda, aluguel e consertos de bicicletas. A loja não é muito distante de onde moramos e, assim como observei em inúmeras outras lojas do tipo, que são abundantes em Utrecht, tem ao lado de fora esta bomba. Imagino que seja utilizada para encher os pneus das bicicletas que são vendidas ou alugadas. Mas, também, me parece ser uma cortesia aos inúmeros usuários de bicicleta que circulam na rua onde está instalada. Outro dia, quando voltava para casa, após uma caminhada, vi um senhor parando em frente à loja no seu trajeto de bicicleta para utilizar a bomba.
Por fim, chego ao quarto e último ícone holandês desta crônica. No canto direito e inferior da imagem estão SinterKlass e dois Zwarte Piet (São Nicolau e Pete Preto). A princípio, pensei ser a representação de Papai Noel, embora sem as renas. Mas, descobri que não tem nada a ver com as celebrações de Natal como estamos acostumados.
Como aprendi no livro sobre a Holanda que comentei na outra crônica mencionada ao início deste post, SinterKlass é celebrado a partir de meados de novembro, quando chega à Holanda vindo de barco da Espanha acompanhado de seus assistentes todos chamados de Zwarte Piet. Inspirada na generosidade de São Nicolau, em especial com as crianças, a tradição celebra o nascimento de SinterKlass no dia 5 de dezembro, com a troca de presentes na noite desse dia. Os assistentes de SinterKlass são os que sabem quais foram as crianças com bom ou mau comportamento, ou seja, quem merece e quem não merece ganhar presentes. É claro que, ao final, todas a crianças ganham presentes. Bem como os adultos. O interessante desta tradição é que as trocas de presentes são acompanhadas por pequenos poemas, com frases engraçadas, que aquele que dá o presente escreveu sobre quem ganha . Se referem, também, a situações vividas pelo destinatário do presente durante o ano. Pelo que entendi o poema é lido no momento da troca de presentes. A noite do 5 de dezembro se chama paksjeavond em holandês, a noite do presente. Muitas vezes, o presente pode ser feito por aquele que dá e se constitui em alguma "surpresa" para quem recebe.
Nos últimos anos tem havido resistência ao uso do nome Zwater Piet. Os assistentes de SinterKlass são representados por pessoas brancas com os rostos pintados de preto. A tradição diz que os Zwarte Pieten (plural de Piet em holandês) representam os moros que habitaram a Espanha. No entanto, devido a críticas associadas ao aparente racismo dessa representação, os Zwarte Pieten não têm mais pintado suas faces de preto. Como é, aliás, o caso dos dois que aparecem ao lado deste SinterKlass que fotografei hoje bem próximo à DriftBrug.  Eles têm sido chamados de Kleur Piet (Pete Colorido) ou Roet Piet (Pete fuligem), pois os rostos são coloridos com cinzas ou fuligem. 
Sobre uma coisa você pode ter certeza. SinterKlass e Santa Clauss não são a mesma tradição. Afinal, enquanto Santa Clauss vive no Pólo Norte e viaja em um trenó puxado por renas pelos céus frios do inverno, SinterKlass vive no Sul da Espanha e viaja para a Holanda pelos mares que, também, estão frios nesta época do ano. Ademais, o Natal é também celebrado três semana após a paksjeavond pelos holandeses que o chamam de Kerstmis. Com certeza, SinterKlass é mais um ícone que se adiciona aos outros três que me fazem imaginar alguma representação holandesa!


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