Dois meses e meio depois de nossa chegada na Holanda, junto com o fim de 2021, chegam notícias de que este será o réveillon mais quente desde 2017. Naquele ano, a temperatura em 31 de dezembro atingiu 13,3 graus centigrados em nossa região. Em De Bilt, pequena cidade encostada em Utrecht, nas primeiras horas da madrugada de hoje, a temperatura foi de 14,4 graus centígrados. Por outro lado, uma semana antes do Natal, havia previsão de neve em Utrecht para o dia 25. Pensamos que teríamos um Natal Branco, mas isso não aconteceu. Apesar da temperatura oscilar entre -2 e 2 graus centígrados, nada de neve naquele dia. Uma semana depois, esta temperatura atípica! Qie foi devidamente celebrada por nós com uma caminhada até o parque Grift na região nordeste de Utrecht. Até o sol deu as caras por volta de meio dia.
Nesse dia preguiçoso, em que aguardamos a simbólica passagem para um novo ano, decido escrever sobre notícias que me chamaram a atenção nestes 75 dias de vida na Holanda. Logo nos primeiros dias, após as impressões iniciais, angústias, incertezas e expectativas, pensei que precisava saber mais dessa terra e povo. Assim, na tentativa de melhor conhecer o país que seria minha morada por seis meses, busquei na Internet algum site em que pudesse me informar sobre o que aqui é notícia. Encontrei dois jornais online com notícias em inglês: o NLTimes.nl e o DutchNews.nl. Me tornei leitor assíduo do primeiro. O segundo acesso mais raramente. Hoje, nesta mini retrospectiva de quase onze semanas, relembro alguns fatos e notícias.
Logo na primeira semana, no campo da cultura, descubro que SinterKlaas iria passar com seu barco a vapor pelos canais de Amsterdam. Ao contrário dos outros anos, haveria apenas uma festa de chegada no dia 14 de novembro, quando o seu barco iria até o Prinsengracht pelo rio Amstel, e só depois iria até o Museu Marítimo como era o costume. Apesar da pandemia de Covid 19, as autoridades municipais informavam que seria possível que a população participasse das boas-vindas a SinterKlass, às margens do rio e dos canais, sem a necessidade de mostrar o Coronapass. Este é um passe eletrônico, na forma de aplicativo em celular, que é usado como controle sanitário na Holanda e outros países europeus para evitar que pessoas não vacinadas ou não testadas tenham acesso a lugares públicos de acesso restrito.
É claro que as notícias sobre a pandemia e as restrições governamentais estiveram no noticiário todos os dias. Toda manhã havia a atualização do número absoluto de novas infecções, hospitalizações, mortes e altas hospitalares, bem como as médias das últimas semanas. Amsterdam, Haia e Roterdã eram sempre as cidades com maior número de casos. Porém eventualmente, Utrecht, aparecia também com número elevados de caso e internações. As notícias mais recentes contam sobre o predomínio da variante Omicron, que foi a responsável por mais de 80% das infecções no dia 28 em Amsterdam.
Hoje, a meio caminho do lockdown determinado pelo governo no dia 19, e previsto para se encerrar em 14 de janeiro, a principal dúvida é se as escolas devem voltar a funcionar a partir de 10 de janeiro. Embora, o lockdown vá durar mais cinco dias, sete se contarmos sábado e domingo, 60 organizações fizeram um manifesto pedindo que o governo autorize a retomada das aulas antes do fim do lockdown. Fico em dúvida se uma semana a mais de folga escolar traria realmente tantos prejuízos quanto dizem os especialistas em educação. Afinal o que são sete dias em meio a 4.275 semanas, que é a expectativa de vida de um cidadão holandês hoje. Praticamente nada!
Outro tema que volta e meia aparece no noticiário é a questão da moradia na Holanda. Já comentei em outra crônica que há um déficit muito grande de moradia no país. Pois, a partir do próximo ano, as prefeituras municipais estão autorizadas a criarem restrições sobre o destino de imóveis residenciais negociados no mercado imobiliário. Muitas das cidades estão criando normas que impedem que imóveis recém-comprados sejam colocados para aluguel, antes de decorridos entre 4 e 5 anos. Ou seja, há uma tentativa de controlar o mercado imobiliário e a constante elevação de preços de compra e aluguéis, restringindo a ação de grandes corporações que compram imóveis como investimento.
Aliás, pelo que pude entender do pouco que li sobre o sistema parlamentarista de governo aqui na Holanda, parece que no primeiro dia do ano, entram em vigor novas leis e regulamentos que são aprovados no ano anterior. Assim, conforme notícia que li no NlTimes, 72 leis e normas começam a valer a partir de amanhã. Entre elas, estão cobertos os mais diversos aspectos da vida neste país que foram classificados em seis áreas: trabalho e renda; cuidado e saúde; famílias e parentes; moradia e vida; negócios; e governo e segurança.
Aliás, por falar em governo, finalmente os quatro partidos que conseguiram formar a maioria parlamentar, fruto das eleições ocorridas há mais de 14 meses, chegaram a um acordo e irão formalizar a proposição de um novo Gabinete (Cabinet) ao rei holandês no dia 8. A posse está prevista para o dia 10. Serão 29 membros de governo (20 ministros e nove secretários) distribuídos pelos partidos que integram a coalizão. Foi o Gabinete que mais tempo levou para ser acordado na história do parlamento holandês. Nesse período, o governo anterior continuou atuando como provisório. Algo muito estranho para nós, que somos acostumados com o sistema presidencialista, entendermos, não é?
Pois então, nesse tempo de convívio restrito com o povo e a cultura holandesa, vou tentando conhecer seus hábitos e costumes especialmente pelas notícias eletrônicas. Uma rápida leitura hoje, me mostrou que as infecções de Covid 19 continuam subindo, o governo pretende vacinar toda a população adulta, que assim o desejar, com a terceira dose até o final de fevereiro, e viajantes dos Estados Unidos terão que fazer quarentena de 14 dias ao chegarem nos Países Baixos.
Nesse campo de vacinação, porém, somos uns privilegiados. Já tomamos nossa segunda dose da Pfizer aqui na Holanda, que somadas às duas doses da Astrazeneca que recebemos em Curitiba, nos fazem ser um casal do venho chamando de “biboosters”! "Booster" é como está sendo chamada a terceira dose de vacina por aqui. Devemos ser quase únicos no mundo por, além da terceira dose, já termos recebido uma quarta dose. Apesar disso, continuamos cuidadosos e seguindo as regras sanitárias do país.
Por fim, no campo da cultura, continuam a surgir informações sobre a compra de um quadro de Rembrandt por 175 milhões de euros, dos quais 150 milhões foram pagos pelo governo. O restante foi pago por um fundo do Rijksmuseum e da Rembrandt Association. Será que faz sentido pagar tanto dinheiro para que um quadro fique exposto em um museu? Mesmo sendo o autorretrato chamado “The Standard Bearer” de Rembrandt, tenho cá minhas dúvidas!
É nessas horas que, eu penso, só a poesia nos ajuda na lida com a humanidade. Lembrei-me de Carlos Drummond e seu Poema de Sete Faces que aqui reproduzo, com minha esperança de um mundo melhor a partir de 2022:
Quando nasci, um anjo tortoDesses que vivem na sombra
Disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida
As casas espiam os homens
Que correm atrás de mulheres
A tarde talvez fosse azul
Não houvesse tantos desejos
Pernas brancas pretas amarelas
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração
Porém meus olhos
Não perguntam nada
O homem atrás do bigode
É sério, simples e forte
Quase não conversa
Tem poucos, raros amigos
O homem atrás dos óculos e do bigode
Meu Deus, por que me abandonaste
Se sabias que eu não era Deus
Se sabias que eu era fraco
Mundo mundo vasto mundo
Se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima, não seria uma solução
Mundo mundo vasto mundo
Mais vasto é meu coração
Eu não devia te dizer
Mas essa lua
Mas esse conhaque
Muito boa!
ResponderExcluirAs casas espiam...
Saudades professor! Que bom saber que está bem! E o que o levou à Holanda? Grande abraço
ResponderExcluirOi Elaine. Estou em pós doutorado na Utrecht University. Fico até a terceira semana de abril. Abraço
ResponderExcluir