quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Sopa de letrinhas



Raramente isto acontece. O título surgiu antes do texto. Tinha acabado de ler um livro de contos. Na verdade dois. Não eram muito volumosos. Letras e espaços amplos. Leitura rápida.
Pensava em meus escritos. Podia juntá-los em uma coletânea. Igual aos dois livros cuja leitura concluíra. Pensei denominá-los Seleta. Lembrei-me da seleta de legumes enlatada que se podia encontrar nos supermercados. Não gostei. De repente, veio à mente outro produto comum no varejo. Macarrão em forma de letras. Daí, sopa de letrinhas.
Acho que foi em um livro de Umberto Eco que li sobre a bíblia ser fruto de um acaso. Não esta que faz parte das religiões cristãs. Uma hipotética. Que poderia surgir da interação entre um tempo qualquer, um macaco e uma máquina de escrever. Ao acaso.
Poderia ser também escrita por meio de sopas de letrinhas. Por que não? Uma página por noite. A cada colher, um parágrafo se formaria na mente do leitor esfomeado. Trinta colheres. Trinta parágrafos. Um evangelho segundo a sopa de letrinhas. Poderia até ter patrocínio de uma das marcas mais vendidas. Imagino o slogan: XPTO, a sopa de letrinhas divina. Aliás, um marqueteiro criativo imaginaria vários. XPTO, a sopa que te ilumina. XPTO, um versículo em cada colherada. XPTO, do genesis ao dia do juízo final em poucas semanas. E assim por diante...
Enfim, para facilitar as coisas, o texto poderia ser escrito na massa antes do cozimento. Depois de cozida, ainda na fábrica, as letrinhas seriam separadas e colocadas em cada envelope. Depois, enviadas ao comércio varejista.
Melhor ainda, por que não fazer isso com meus breves textos? Será que não encontro alguma fabricante de sopas em letrinhas que esteja a fim de me editar. Seria maravilhoso lançar uma nova linha de sopas: a literatura instantânea. Eu gostaria muito. Já tenho até o slogan: Breve textos - um coletânea em sopas de letrinhas. Alimento para o corpo e para a alma.
Interessados sabem onde me encontrar.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Nervos à flor da pele ou Monstros à beira de um ataque de nervos

O desentendimento começou no embarque. Um pouco antes do portão de entrada. Na fila para apresentar o cartão de embarque ela perguntou:
_ Você sabe que horas são?
_ Sete e pouco. Ele respondeu.
Instintivamente, olhei para o celular. Há muitos anos não uso relógio de pulso. Sete e catorze. Ia informá-la. Mas, alguma coisa me fez calar. Intuição. Ela não me falha.
Logo depois de mostrarem o cartão de embarque, ainda à minha frente, ela retomou o diálogo. Quer dizer, monólogo. Ele só ouviu.
_ O vôo sai às sete e cinquenta. Custava termos ido tomar um café. Mas, não! Você prefere ficar esperando dentro do avião. Esqueceu que fome me dá dor de cabeça?
Ele ia responder. Não teve tempo. Na entrada, ela pediu a uma das comissárias de bordo:
_ Você pode servir algo para comer?
_ Está tudo trancado. Só depois da decolagem. Quando começar o serviço de bordo.
Ela bufou ao ouvir a resposta. Virou para o marido. Suponho que seja. Disparou um olhar fulminante. Eu desviei o corpo. Vai que aquela energia negativa me atingisse. Se tivesse alguma crença, talvez até me benzesse!
Nunca vi um olhar tão furioso. A fome devia ser imensa! Eles ficaram na parte dianteira da aeronave. Minha poltrona era na fileira 36. Bem longe! Ops, quase digo "graças a deus"!
Próximo ao final do embarque, aeronave lotada, ouço outra voz feminina. Uma das comissárias de bordo:
_ Vamos ter que despachar suas malas. Não há mais espaço nos bagageiros.
_ Quero usar o bagageiro em cima de minha poltrona.
_ Minha senhora, o assento é marcado. O bagageiro não.
_ Não me interessa! Os outros que tirem a suas malas. Quero meu espaço!
Um princípio de tumulto. Bem perto de minha poltrona. Um imbecil xingou a mulher. Falou um palavrão. Tinha pressa para decolar. Mas, tudo acabou bem. O acompanhante dessa mulher não reagiu. Temi o pior! A mulher aceitou. Malas despachadas. Portas fechadas. Avião decolou.
Eu decido me concentrar na leitura. Um exemplar da Sight & Sound. Presente de Telma. Fernanda me trouxe ontem à noite. Retornara no domingo de Londrina. Junto com a revista, dois pacotes de Rolo. Chocolate que comia muito durantes meus anos de doutorado na Inglaterra. Presente do dia dos pais. De Paloma e Fernanda. Presentes que valem mais do que qualquer outra coisa! Sight & Sound e Rolo. Duas memórias de minhas viagens a Londres, com uma visita ao British Film Institute na Southbank sempre que possível. Agora quase embarquei em uma trip down the memory lane! Volto ao tema do post.
Na Sight & Sound, uma entrevista com Lucrécia Martel. Sobre seu último filme. Zama. Grande filme em que Matheus Nachtergale interpreta Vicuña Porto. Um bandido cruel e incerto sobre sua crueldade.
Em uma das perguntas, o entrevistador comenta sobre a presença de um protagonista masculino no filme. Zama interpretado por Daniel Giménez Cacho. Em seus filmes anteriores, Martel trouxe mulheres como protagonistas. Na resposta, a cineasta disse que não se preocupa com a questão do gênero das protagonistas de seus filmes. Em seu processo criativo, ela disse, as imagina como monstros. E completa:
_ No sentido de que um monstro é um ser instável, ele é único também, e um monstro é a melhor forma de construir um personagem, um monstro em um sentido clássico de ser uma exceção ou um fenômeno...
Fiquei pensando... O que me dizem esses dois episódios quase aéreos. Inevitável, ao menos para mim, associá-los à época sombria em que vivemos no Brasil. Me parece que os monstros estao deixando de ser exceção. Cada vez mais numerosos à nossa volta. Quase incontroláveis! Me lembrei do filme de 1968 de George Romero, A Noite dos Mortos Vivos. Cuidado! Parece que os monstros estão à beira de um ataque de nervos!

domingo, 12 de agosto de 2018

Sofias

Ontem duas Sofias entraram na minha vida. Brevemente. Tão diferentes. A primeira surgiu em um passeio no Passeio Público. Edra Moraes estava comigo. Kennedy, o cão, também. Manhã fria de inverno pedia um caminhar ao sol. Logo após a feirinha de orgânicos, mãe e filha caminham em nossa direção. Quando as vi, supus que fossem mãe e filha. Não me enganei. A mãe, dirige-se à filha, e pronuncia um nome: Sofia Stephenson. Quem será? Não faço a mínima ideia! Sei que não era a menina com a mulher. Ela se referia a uma Sofia que não estava ali. Por algum motivo, talvez o sobrenome inglês, esta Sofia ficou em minha memória.
Findo o passeio, retornamos a meu apartamento. Não muito distante do Passeio Público. Edra e eu decidimos ir ao cinema. Todo sábado há uma sessão gratuita do Clube do Professor. Começava às onze. Um cafézinho antes de sair de casa. Chegamos quase em cima da hora. O filme do dia era Vidas à deriva. Um drama baseado em fatos reais. História de amor recheada com naufrágio em alto mar. Não gostei muito do filme, apesar das belas imagens submarinas. Me entediou um pouco. No entanto, o enredo nos ajuda a refletir sobre a vida. Jà é alguma coisa!
Em uma das primeiras cenas do filme, a protagonista, Tami, chega ao Tahiti em um barco. Adivinha o nome do barco? Sofia, Isso mesmo! Imediatamente, me lembrei da Sofia do Passeio Público. Assim, como ocorreu com a primeira, Sofia, o barco, fez uma aparição breve, en passant! Hoje estou meio exibido. Sempre quis usar esta expressão. En passant! Chique, não? Duas Sofias na mesma manhã. Coincidência! O que isso quer dizer? Provavelmente nada. Só um motivo para escrever.
Mais tarde, de volta ao apartamento, Edra me dá o privilégio de ler um conto escrito por ela. Ainda inédito. Um história curta em que a coincidência se faz presente na vida da protagonista. Um dia você poderá lê-lo. Por enquanto, fora algumas pouca amigas, só eu pude ler. A imagem que ilustra este post tem a ver com as coincidências que Edra conta.
Cheguei até aqui. E agora? Sei que você espera mais. Tenha paciência. É provável que eu consiga alongar o texto mais um pouco. No entanto, você foi avisado. Não negue. Percebeu o nome do blog, não? Breves Textos. Sim. É isso mesmo! Breves no sentido de curtos. Não venha com a esperança de longas narrativas. Não aqui. Aqui só textos curtos. Sinto muito! Deveria ter prestado atenção nisto!
Sofia faz parte da filosofia. Traduz-se como saber. As duas aparições breves das Sofias ontem de manhã me levaram a pensar no saber. Ao contrário das duas de ontem, a sofia da filosofia não pode ser breve. Nem a sua busca. Busca constante, permanente. Está em minha vida desde que me conheço por gente. Tem uma outra qualidade. Talvez seja compartilhada pelas duas Sofias de ontem. Mas, pode ser-lhe única. Quem sabe? Eu não! A incompletude. Quanto mais conheço a sofia, mais me parece incompleto o que conheço. Em alguns momentos, raros, a sofia mostrou-se bela. A beleza da sofia é o que busco. Quando a vejo, não consigo escondê-la. Quero compartilhar. Espero que você também.
Pronto. Cheguei ao fim. Do post. Não da busca da beleza da sofia. Esta só terminará quando a lucidez já não se fizer presente em minha mente. Mas, não me posso furtar a uma última pergunta. A você que me lê: Consegui alongar o texto suficientemente?