domingo, 12 de julho de 2020

Alzira

Lorde Kennedy estava deitado. Com a cabeça recostada em um velho travesseiro. Um dos quatro de que Nego se desfizera quando comprou novas roupas de cama. Foi quando Alzira se juntou a ele. Uma mulata mineira que chegara de Belo Horizonte. O sol da manhã aquecia o corpo de Kennedy. Os demais cães da gangue tinham se refugiado do sol sob a mangueira no quintal dos fundos do bar do Nego. Um sol de inverno. Aquecia o corpo e, talvez, a alma. Vai que os animais têm alma. Vai saber!
Quando ela entrou pela primeira vez no bar do Nego, este mal pode conter o sorriso. Viera de férias para São Chico. Funcionária aposentada da prefeitura de BH. Buscava um canto para desfrutar das economias que fizera durante um quarto de século. Sózinha no mundo. Se encantou com o sorriso e os olhos brilhantes de Nego. Era um dia de pouco movimento no bar. Nego se derreteu por Alzira. Duas semanas depois, ela se mudou para lá. Ligou para o pai. Viúvo. Ficara em BH. No apartamento da filha. Esta só falou:
_ Cuida de minhas coisas. São Chico é um paraíso. Vou ficar por aqui.
O pai, aos 75 anos, sentiu a felicidade na voz de Alzira. Também tinha sua aposentadoria. Mais do que suficiente. A maior parte usada para pagar o plano de saúde. O restante lhe garantia os pequenos prazeres da vida. Uma cervejinha com os amigos no final de semana. As pequenas apostas no jogo semanal de cacheta na casa de Juvenal. Um cinema de vez em quando. E, a cada qiinze dias, motel com Rogéria. Amante de vinte anos. Mulher de Juvenal. Ele só disse:
_ Seja feliz filha. Não se preocupe comigo. Quem sabe no próximo verão vou lhe visitar em São Francisco do Sul.
Ao mesmo tempo, falou para si mesmo:
_ Não vou precisar mais gastar com motel. Vou contar a novidade para Rogéria.
Para sorte de Lorde Kennedy e sua gangue, Alzira adorava cães. No apartamento nunca pudera ter um. A convenção do condomínio não permitia. Lorde Kennedy e seus companheiros só estranharam quando, ao final da tarde, no dia anterior, ela chegou com coleiras e guias para todos. Tentou colocar a novidade neles. Foi aquele fuzuê! A cachorrada corrrendo como doidos pelo quintal. Alzira teve que desistir.
Quando Alzira contou para Nego que queria passear com os cães. Nego caiu na gargalhada. Disse:
_ Meu bem, essa cachorrada veio da rua. São livres. Não dá pra prender com coleiras e guias.
Alzira só comentou:
_ Que pena! Queria tanto a companhia deles em minhas caminhadas diárias.
Naquela manhã, enquanto Lorde Kennedy se aquecia ao sol, Chumbinho comentava com o velho China:
_ Essa mulher do Nego pensa que a gente é cachorro de madame. Viu o que tentou ontem.
China confirmou:
_ Pois é! Querer amarrar a gente. Onde já se viu!
Os demais entraram na conversa. Dama comentou:
_ Nego está tão feliz com ela.
Alemão e Vina concordaram. O velho China, com seu jeito calmo, refletiu:
_ A gente tem que ajudar ele a ficar com ela.
Nesse momento, Lorde Kennedy abriu um dos olhos e disse:
_ Vamos levar ela até a Prainha. Mostrar que gostamos dela. Da próxima vez que ela sair no final da tarde, vamos juntos. Ela só quer companhia.
Nada como a sabedoria canina, para compreender os humanos.