quinta-feira, 21 de junho de 2018

Mundo sem graça

Seios exuberantes. Pareciam querer saltar pra fora da camiseta preta. Decote arredondado quase incapaz de contê-los. Bronzeados. Foi difícil acreditar que fossem naturais. Deveriam ter sido incrementados com algum implante de silicone.
Se bem que ela era uma mulher alta. Acima de 1,85 metros. É óbvio que não medi a altura dela. Mesmo porque, se tivesse a oportunidade, preferiria medir o busto. Devo confessar que, até eu que nunca fui muito atraído por mulheres de seios volumosos, tive que admirar o que vi. Eram realmente grandes e proporcionais à altura dela. E belos. Sinuosos.
Caminhávamos em direções opostas. Me pergunto se a admiração que senti foi visível. Em poucos segundos, em uma distância de não mais que cinco metros, após desviar o olhar e voltar a mirá-la, os seios estavam encobertos por uma fina blusa preta de lã.
Sem nenhuma razão para tal, me senti envergonhado. Nunca a vira. Será que ela ficou com medo de algum ataque repentino. Impossível! Era pouco mais de uma da tarde. Estávamos na calçada de uma rua muito movimentada. Sol brilhante!
Apesar de ser o primeiro dia de inverno, o calor do sol estimulava um descobrir-se. Mas ela se cobriu. Mal resisti à vontade de dizer-lhe que os seios não mereciam ficar totalmente ocultos. Ademais, os raios solares ajudariam a manter a bela cor do bronzeado.
No entanto, ao passar ao seu lado mantive-me calado. Nesses tempos ambíguos em que vivemos, é cada vez mais arriscado elogiar a beleza. Seja de uma mulher ou de um homem. Tive medo de ser chamado de velho tarado! De que ela confundisse a admiração do belo com assédio.
Me satisfiz com a oportunidade de ver a beleza efêmera. Efêmera porque foi rapidamente escondida. Efêmera, também, porque a natureza é implacável com nós humanos. Tem no tempo um aliado que dificulta a permanência da beleza na maioria de nós, meros mortais.
Segui meu caminho com minhas preocupações mais cotidianas. Resolver um problema de plug inadequado de uma máquina de lavar. Cono substituí-lo? Por enquanto, são decisões mais urgentes. Preciso lavar roupa.
Já a graça do mundo, é algo em que pouco posso interferir. Posso apenas constatar o óbvio: o mundo vai ficando cada vez mais sem graça!

segunda-feira, 4 de junho de 2018

ELES PARECIAM FELIZES

Eles pareciam felizes. Foi o que ela disse. Ao passarem por mim, não pude deixar de ouvi-la. Ao seu lado um rapaz. De mãos dadas.
Sobre quem era o comentário? Esta pergunta me veio à mente. Não tive como saber! Como não conhecia nenhum dos dois, não pude perguntar. Segui no meu trajeto. Em direção oposta ao do casal.
Mais à frente, não mais que trinta metros, um cartazete grudado a um poste chama minha atenção. Minha imaginação dispara. O comentário dela tinha que ver com esse cartaz. Estavam muito próximos. Tinham recém passado por ali. Ela devia estar falando de algum casal que fora ou poderia ser ajudado. Veja o cartaz:

Você sabe como sou curioso. Tive que ser rápido. Fiz a fotografia do cartaz. Me pus a caminhar rapidamente atrás do casal. Nossa distância era em torno de 60 metros. Passeavam. Sem pressa.    Quando cheguei perto, ouvi o que ele disse:
_ Estavam juntos a tanto tempo, né?
_ Quarenta ou quarenta cinco anos. Não tenho certeza. Ela respondeu.
Fiquei feliz. Ainda falavam do casal. Devia ser o mesmo do primeiro comentário. Você não acha? Impossível que já estivessem falando de outro.
Diminuí o passo. Ela continou:
_ Uma hora tinha que acontecer.
_ Quase uma vida juntos. Tempo pra caralho!
_ Não gosto quando você fala palavrão.
_ Desculpa.
Foi a resposta dele. Ela continuou:
_ Foi um final bonito. Os dois foram encontrados abraçados e mortos. Depois de uma noite de amor. Estavam pelados.
_ Puta que pariu! Exclamei em voz alta. Os dois viraram pra trás. Eu me desculpei.
Veja você, que azar! Não tinha nada a ver com o cartazete. Curitiba é inundada por esse tipo de anúncio. Já falei disso antes. Eu curioso pra saber se funciona. Porra! Ainda bem que você não se incomoda com palavrão.
Tem uns até que dizem que o pagamento só é feito após o resultado. Se o amor não voltar, não paga. Me pergunto se tem alguma garantia. Vai que volta e depois vai embora de novo. Sei lá! Um dia posso precisar. Nunca se sabe!
Felizmente, estávamos em uma esquina. Eles seguiram em frente. Virei à esquerda. Estava perto do Passeio Público. Era feriado. Fui dar uma volta. Lá sempre vejo ou ouço alguma coisa que pode dar uma boa estória. Qualquer dia publico um livro. Já tenho até o título: Crônicas Curitibanas.