terça-feira, 15 de maio de 2018

De noite todos os gatos são pardos

Ela queria vê-lo à luz do dia. Haviam se conhecido à noite. Em um bar. Depois de terem assistido uma peça no teatro Guaíra.
Nenhum dos dois costumava sair à noite. Dormiam cedo. Mas, naquela noite eles tinham ido ao teatro. Sózinhos. Ainda não se conheciam. A peça era Gata em teto de zinco quente, em uma versão adaptada para o século 21 a partir da clássica peça de Tenesse Williams e sua filmagem em 1958 com Elizabeth Taylor e Paul Newman dirigidos por Richard Brooks.
A adaptação tinha ficado um pouco estranha. Perdera muito da dramaticidade do texto original e do filme. No entanto, o teatro estava lotado. Os papeis principais eram representados por um casal famoso das novelas brasileiras. Isso, todavia, não interessa pra nossa história.
Na confusão da saída de quase mil pessoas, os dois se esbarraram e a bolsa dela caiu no chão. Ele foi rápido. A pegou antes dela. Ela agradeceu. Ele imediatamente perguntou se ela havia gostado da peça. Ela fez um muxoxo e disse:
_ Não muito.
Ele concordou:
_ Eu também não.
Continuaram saindo. Sem se falar. Na porta central, ele foi à esquerda. Ela na outra direção. Por incrível que possa parecer, se encontraram na entrada do bar que ficava duas quadras distante do teatro, bem no meio da rua paralela aos fundos do teatro. Caminharam a mesma distância em direções opostas. Essa seria uma observação que ele faria quando tiveram que dividir uma mesa no bar.
O bar estava lotado. A hora que chegaram um casal estava se levantando. O garçom pensou que estavam juntos. Se olharam. Riram. E disseram ao mesmo tempo:
_ Por que não?
O garçom não entendeu. Conduziu ambos à mesa. Deixou o cardápio. Voltou um pouco depois. Os dois descobriram algo em comum, além do desprazer com a peça: comida árabe. Só que ela não comia carne. Dividiram um mix de pastas. Ele pediu também um quibe assado.
O ambiente do bar era iluminado por luzes amarelas. E, não muito iluminado. Havia uma certa penumbra que dominava o ambiente.
Ela não havia prestado muita atenção nele na saída do teatro. Mas, com a coincidência de chegarem ao mesmo tempo, ficou curiosa. Ele também.
Depois de quase duas horas de conversa, parecia que se conheciam há muito tempo. O bom humor foi constante na conversa. Riram muito da atuação canhestra do jovem casal de sucesso nas novelas. Não tinham nenhum talento para o teatro.
Na hora de embora, os dois pensavam em um jeito de se reencontrarem. Ela lembrou do ditado popular: à noite todos os gatos são pardos. Queria vê-lo à luz do dia. Ele só queria ter a chance de vê-la de novo. Alguma coisa lhe dizia que seria bom.
Quase que ao mesmo tempo, falaram:
_ Domingo de manhã tem apresentação da orquestra. Você não quer vir?
Sorriram. Combinaram de se encontrar na entrada. Os lugares eram livres. Se encontraram. Assistiram ao concerto. Foram almoçar juntos. Ela não quis sobremesa. Ele, louco por doce, deixou de pedir o tiramisú que era a especialidade do lugar. Tomaram café.
Na saída, ela disse:
_ Você é muito bonito à luz do dia.
Ele ficou sem jeito, corou, sorriu e beijou as mãos dela.
E foram felizes para sempre.

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