domingo, 27 de maio de 2018

Espiral

Sono me derrubava. Queria continuar a leitura. No entanto, vezenquando, os olhos se fechavam. Com vida própria, impossíveis de controlar. Eu perdia o fluxo das palavras. Ao reabrir os olhos, não me lembrava de onde a leitura fora interrompida. Parece até que sonhava.
Abandonei o livro sobre o criado-mudo. Era cedo para dormir. Comecei a escrever este texto. Um relato verdadeiro, pelo menos até aqui. Mas, a que leitor pode interessar um relato desta natureza? Mesmo que verdadeiro!
Hora da invenção, então! O que posso dizer, quer dizer escrever. Outro dia, apaixonado, escrevi uma poesia. Me imaginei no lugar de um compositor, um poeta e um cineasta. Se fosse o primeiro, uma cantiga à mulher amada escreveria. Se fosse o segundo, à mulher amada do amor falaria. Se fosse o terceiro, a mulher amada na ribalta colocaria. Como não era nenhum dos três, encerrei a poesia dizendo que pela mulher amada tudo faria.
Mas, onde está a invenção no parágrafo acima? Ou o quem foi o fruto da imaginação? A poesia? A mulher amada? Eu? Os três?
Nenhuma das alternativas devo lhe confessar. Na verdade, a única invenção de todo o escrito até aqui é a frase: hora da invenção, então! Fora isto, o restante é um relato verdadeiro. Mas, a que leitor pode interessar um relato desta natureza? Mesmo que verdadeiro!
Hora da invenção, então! Começo de novo. Foi uma noite inesquecível. Ela foi buscá-lo de carro. Um jantar de comemoração do aniversário dele. Tinha sido três dias antes. Mas, não puderam se encontrar naquele dia. Diferente do primeiro encontro, nessa noite ele conseguiu pegar na mão dela várias vezes. Igual ao primeiro encontro, os dois não sentiram as horas passarem. Muito a contar de um tempo que não se conheciam. Enfim, ficara tarde e ela o levou de volta. Se despediram. Cada um em seu lugar, o sono demorou a chegar. Depois que chegou, foi um sono cheio de sonhos. No sonho se beijaram.
Terei enfim inventado algo pra você que me lê? Ou não? Hoje estou me sentindo um pouco ardiloso. Parafraseando Pessoa, será que o sonhador é um fingidor? Que finge que é sonho, o sonho que deveras sonha?
Volto pro livro. O sono se foi. Verdade ou ficção?

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