sábado, 30 de setembro de 2023

Cenas paulistanas

 


Na manhã de sábado, decido caminhar um pouco. Nas proximidades do hotel, o Parque Augusta é minha escolha. Em pouco minutos o alcanço, e dou início à caminhada em passos mais rápidos. Logo árvores cobertas com flores roxas atraem meu olhar. Abaixo delas, um tapete de flores caídas. O dia começa bem. Mais tarde, ao final da caminhada, pergunto a um funcionário que árvores são estas. Não sabe me informar, mas diz haver outras que começam a florescer. Amarelas. De volta ao quarto do hotel, a googlada me esclarece: jacarandás-mimosos. Mas, este é o final da caminhada. Antes, durante a caminhada, cenas no parque e fora dela me puseram a pensar. Daí, a inevitável escrita desta crônica
Logo na primeira volta, um casal trocando carinhos. A beleza do amor. Sem pudor. A mão dele em um dos seios dela. Os braços dela ao redor de seu pescoço. A vida como ela é! Talvez, inspirasse um conto ao estilo de Nelson Rodrigues. Mas, quem sou eu para tal ousadia? Apenas registro a cena no Parque Augusta.
Cinquenta metros à frente, pai e filha no parquinho. Ele, entre dois balanços, movimenta em um a menina com pequeno rabo-de-cavalo. No outro, um cãozinho de pelúcia também vai-e-vem. Cuidadoso, o pai alerta: Não ponha as mãos para fora! Se quiser parar me avisa. Alerta a menina? O cãozinho? Ambos? Ah, que cena mais linda. O amor aparece de novo. Sem pudor também.
Na segunda volta, o casal continua se acariciando. Ela lhe beija uma das orelhas. Uma das mãos dele, busca o contato da pele dela ao final da camiseta e começo da calça. No parquinho, pai, filha e cãozinho ainda no balanço.
Na terceira volta, ao passar pelo casal mais uma vez, decido contar meus passos. Técnica que criei para medir as distâncias que caminho. Na falta de placas indicadoras, sei que a cada 120 passos, caminho 100 metros. Além do casal e do trio, muitos cães com tutoras e tutores surgem em meu caminho. Também, os trinados e cantos de aves. Os mais diversos. Escondidos nas árvores, reconheço apenas o inconfundível bem-te-vi. Em um canto, três pombas ciscam. Pouco se incomodam com minha passagem perto delas. Acostumadas à presença humana. Completada a volta, em frente ao casal ainda no mesmo lugar, chego ao número 600. Exatos 600 passos, ou seja, quinhentos metros.
Após completar mais duas voltas, decido ampliar a caminhada. Pela saída da rua Caio Prado, vou em direção à Igreja da Consolação e depois sigo no caminho para a Biblioteca Mário de Andrade. Na esquina da Consolação com a Martins Fontes, entro à direita, retomando a direção da Rua Augusta e do parque. Logo depois de virar, me deparo com dois jovens homens deitados na calçada, ainda dormindo. Em posição fetal, de frente um para o outro. Cabeças em direção opostas. Nesta posição, reproduzem o símbolo do Yin-Yang. Teria sido intencional? Ou teria sido fruto dos movimentos que inevitavelmente nós humanos fazemos quando adormecidos?
Ali, na minha frente, dois moradores de rua, me lembram da dualidade universal. Imediatamente, me lembro do casal e do pai, filha e cãozinho de pelúcia no Parque Augusta. No parque, o carinho, a atenção, o afeto. Na rua, o descaso, a desatenção, o desafeto. A vida como ela é?
Sigo afetado pela imagem. Nas proximidades do Parque Augusta, decido nele reentrar. Em busca de cenas que me aliviem a alma. Passo por baixo das árvores com flores roxas. Revejo o tapete de folhas caídas. Na saída, pergunto ao trabalhador o nome da árvore frondosa e florida. Mas isto você já sabe. Agora, vou me banhar. Tirar o suor e seu cheiro de meu corpo. Na ducha, me livrarei do que posso. Porém, na memória carregarei estas cenas paulistanas.