sábado, 16 de abril de 2022

Crônicas na Holanda 27 - 27 domingos na Holanda e a esperança de um verão

Amanhã será nosso vigésimo sétimo domingo na Holanda. As malas estão quase prontas. Na segunda-feira, partiremos para férias de 12 dias entre Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte. No dia 29 de abril, um breve retorno a Utrecht para coletar o que ficará em nosso apartamento durante estes dias. Na manhã do dia seguinte, 30 de abril, o embarque de volta ao Brasil.

Hoje amanheceu ensolarado. Ao final da tarde de ontem, tanto na Maliebaan quanto no WilhelminaPark, das árvores, de repente, vi que as folhas haviam rebrotado. Inconscientes de meus temores, mal sabiam elas que receava deixar Utrecht sem vê-las folhosas e floridas. Quando aqui chegamos, estavam coloridas pelo outono. Agora, as cores são da primavera. O ciclo da natureza coincidiu com minha chegada e minha partida. Em cada estação, mesmo desfolhadas pelo inverno, essas árvores fizeram parte de meus trajetos. Carregarei na memória as lembranças das três fases que acompanhei.

Como estarão no verão? Minha jornada holandesa, não incluiu o verão. Nem ao menos parte dele. A grosso modo, aqui estive por um curto mês de outono, os três longos meses de inverno, que não foi tão rigoroso, e mais um curto mês de primavera. 

Enquanto escrevia essa última crônica na Holanda, lembrei-me de um filme argentino, Medianeras, produzido em 2011 e dirigido por Gustavo Taretto. Muito recomendado por minha amiga Simone, após assisti-lo escrevi um post em meu blog sobre empreendedorismo e pequenas empresas no longínquo setembro de 2012. Uma deliciosa coincidência entre as partes do filme e minha estada na Holanda trouxe esta lembrança. Reproduzo, parcialmente, o que escrevi então: "o filme retrata dois jovens, Mariana e Martin, que não se conhecem pessoalmente, cada um com sua vida solitária, até o encontro entre eles. Dividido em três estações - um outono curto, um inverno longo, e a primavera enfim..." Olhaí! As partes do filme coincidem com nossa estada em terras holandesas! 

Mais à frente, no mesmo texto, concluí: ""Para mim, o filme trata da esperança". Em setembro de 2012, falava da esperança no empreendedorismo. Fora inspirado por Medianeras e a lenda da caixa de Pandora, duas histórias esperançosas que me levaram a enxergar a esperança de um mundo melhor em qualquer ação empreendedora. Empreender é sempre um ato de esperança! Caso deseje, este post pode ser lido em https://3es2ps.blogspot.com/2012/09/pandora-medianeras-e-esperanca-no.html.

De certa forma, foi a esperança que me trouxe a Utrecht. E, é esperançoso que ainda me sinto. Ao empreender esta jornada de seis meses de pós-doutoramento trazia a esperança de, ao tentar ser melhor no que faço, contribuir de alguma forma para um mundo melhor. Encerro esta jornada com a esperança de ter sido bem sucedido. Junta-se a esta a vontade de rever Utrecht em algum verão no futuro. Ao mesmo tempo em que é esperança, é também uma promessa. Afinal, as árvores da Maliebaan e do WilhelminaPark ainda não exibiram sua beleza para mim em um verão holandês. Acho que elas merecem esta oportunidade. Assim como eu!

domingo, 10 de abril de 2022

Crônicas na Holanda 26 - Meu tributo a Jan, o sorveteiro da Prins Hendriklaan

Desde que chegamos a Utrecht, um pequeno salão fechado e empoeirado na Prins Hendriklaan chamou minha atenção. Me parecia algum pequeno negócio que, supunha eu, talvez devido à pandemia, tinha sucumbido aos lockdowns e cerrado.as portas. Nunca prestei atenção ao que estava escrito nas vitrines. Neste cinco meses de moradia em Utrecht, passei incontáveis vezes por ali. Fica na mesma rua, onde moramos, ao lado do ParkCafé, quase na esquina com o Whilelmina Park. Foi no ParkCafé que Erik e esposa nos ofereceram um café e uma boa conversa em uma manhã fria de inverno. Quando nos locomovemos, a pé, até o centro de Utrecht é o caminho mais curto. Vez ou outra, a pequena loja, empoeirada chamava minha atenção. Todavia, não imaginava que tipo de negócio teria sido.
Certo dia, já na primavera, temperatura ainda lembrando o inverno oficialmente encerrado, fiz novamente o mesmo trajeto e tive uma surpresa. A loja estava aberta. É uma sorveteria! Quem me conhece bem, sabe que sorvete é uma das minhas fraquezas gastronômicas. Desde moleque, dos tempos da sorveteria Sávio em Londrina, não resisto a uma ou duas bolas de sorvete. Em casquinha, em copo, tanto faz. É claro que entrei e vi a geladeira cheia de opções de sorvete, todos nomeados obviamente na língua holandesa, Para minha sorte, alguns nomes são parecidos com os nossos, por exemplo, pistache e chocolade. Dois dos meus favoritos! Minha primeira compra no IJssalon Vorst (Sorveteria Vorst) não me decepcionou, e virei freguês! Todo dia que passo por ali, faço a minha parada e experimento um novo sabor. Hoje, com o sol dando as caras, passei pela IJssalon Vorst e experimentei uma bola do sabor de expresso (café), junto com a tradicional bola de pistache.
Quase sempre sou atendido pelo próprio sorveteiro. Alguns dias atrás, puxei conversa com ele. Queria saber sobre quem faz o sorvete, porque a sorveteria estava fechada, como é o ritmo de trabalho dele. Ele me contou, muito orgulhoso, que o sorvete é feito por ele mesmo e com ingredientes orgânicos. Feito à mão artesanalmente como estampa a marca no seu copinho (handgemaakt ijs). Só abre a sorveteria durante oito meses por ano, por causa das baixas temperaturas, principalmente durante o inverno. Chegamos em Utrecht um pouco antes do inverno, daí a razão de ter visto a sorveteria fechada. 
Quando perguntei o que fazia nos meses em que a sorveteria está fechada, ele me respondeu: Nada! Continuando a conversa, me explicou que trabalha de segunda a domingo durante oito meses, umas doze horas por dia. E, me disse: se você fizer o cálculo, vai ver que trabalho mais do que alguém que tenha uma semana de trabalho de oito horas por dia ao longo de um ano. Não fiz o cálculo, mas minha intuição diz que ele deve estar certo. Trabalha bastante! Encerrando a conversa, comentei que ele deve ser muito disciplinado com as finanças, pois tem que fazer uma reserva para os meses que não trabalha. Ele sorriu e acenou positivamente com a cabeça. Me despedi falando meu nome e dizendo que sou brasileiro. Ele me disse o dele e se despediu com um "see you tomorrow" (vejo você amanhã), ao que respondi "for sure" (com certeza). E desde, então, me tornei um freguês costumeiro.
Semana passada, o tempo ficou instável e muito frio novamente. Fiquei alguns dias sem o meu sorvete diário. No começo dessa semana, quando passei pela sorveteria, e a vi aberta, entrei. Quase amigo já do sorveteiro, ele me contou que ficara uns dias com a loja fechada. devido ao frio e chuva. Tinha reaberto naquele dia.
Jan, este é seu nome, como bom comerciante é sempre muito atencioso e simpático. Lembro-me de que, escrevendo sobre a vida de comerciante de meus pais em um post neste blog, em algum momento falei da forma como ambos eram capazes de dar atenção aos fregueses do supermercado Gimenez, de tal forma que muitos se tornaram amigos e amigas de minha mãe ou de meu pai.
A vida em uma pequena empresa não é só feita do mundo dos negócios. Na última crônica falei da vida substantiva. Pois é, ela faz parte também da vida das pequenas empresas. Não são apenas um instrumento de fazer dinheiro. Além do dinheiro, de garantir a sobrevivência da família, trazem um significado de auto realização, sem a qual a vida seria muito sem graça.
Creio que é essa uma das razões que me levam a ser cliente de pequenas empresas. Outra aqui no bairro é a Olifje, pequena mercearia. Fica também perto de casa, na Jan van Scorelstraat, a cerca de 600 metros. Ao menos uma vez por semana estou lá. Comprando pão, suco de maçã, frutas, legumes e verduras. Além das irresitíveis iguarias da cozinha árabe, como o humus, charutinhos de folha de uva  e as deliciosas e doces baklavas.
Em uma das vezes que lá estive, puxei conversa com a mulher que ne atendia, que julguei ser a proprietária. Estava certo. Ela me contou que junto com dois irmãos criaram e mantém o pequeno comércio. Ficava em outro lugar do bairro quando iniciaram, mas estão na Jan van Scorelstraat há anos. De novo, como bons comerciantes, sempre atenciosos e atentos. Um domingo, lá fui pela manhã e tentei entrar. A porta estava fechada, um dos irmãos abriu e me disse que ainda não estavam abertos. No domingo começam a atendar ao meio dia. Nesse momento, vi a placa com a informação dos dias e horários de trabalho. Me desculpei, mas ele sorriu e disse que não havia do que se desculpar. E, obviamente, me perguntou: vai voltar mais tarde? De novo, minha resposta foi "for sure".
Quer outro exemplo? Um dia desses, seis horas da tarde, passando em frente à Olifje, um dos irmãos saía, após encerrar o dia de trabalho, e entrou em seu carro. Ao passar por ele, acenou e sorriu para mim. Ah, esses comerciantes! Sabem o que fazem.
Então, é esta Utrecht dos pequenos negócios que guardarei também nas minhas lembranças dessa temporada na Holanda. Além da vida universitária, da beleza do campus, das caminhadas em torno dos canais, levarei nas minhas memórias a doçura das baklavas vendidas na Olifje e a doce cremosidade dos sorvetes da  IJssalon Vorst.
Neste meu tributo a Jan, o sorveteiro de Utrecht, mostro na fotografia a marca bem desenhada de seu sorvete junto a uma fotografia recente do Oudegracht e a previsão do tempo que começará a esquentar na próxima terça-feira. Pelo jeito teremos, na última semana por aqui, muito sol para aquecer o coração carregado de certa melancolia por ter que deixar essa cidade que nos encantou. Quem sabe um dia, a gente volta por aqui! Mas, terá que ser no verão, para tomar um sorvete na IJssalon Vorst.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Crônicas na Holanda 25 - Das filhas e da vida substantiva

Estamos exatamente na metade da penúltima semana de nossa estadia em Utrecht. Pouco mais de meio dia da quarta-feira, seis de abril de 2022. Envolvido com minhas tarefas de conclusão desse período de pós-doutoramento na Utrecht University, na noite de ontem me dei conta de que não havia escrito a crônica semanal. Outros escritos me afastaram dessa tarefa auto imposta: registrar semanalmente impressões e sentimentos de seis meses na Holanda. Falar da vida substantiva, da vida que importa!
Na semana anterior, Paloma e Murilo nos visitaram. Chegaram junto com a virada no clima. De um começo de primavera ensolarada e quente (para os padrões holandeses), com temperatura chegando aos 18 graus centígrados, para dias de neve, tanto em Utrecht quanto em Amsterdam, com temperaturas próximo de zero. Porém, a alegria de receber filha e genro e de poder passear com eles por aqui, fez com que o frio pouco importasse. Foram quatro dias de passeios pelo Keukenhof (famoso jardim holandês, em especial devido às tulipas, que reabriu após dois anos fechado), Zaandam e seu parque de moinhos de vento, Utrecht e Amsterdam. Ver o sorriso da filha, sentir seu carinho, ouvir seus planos de vida, e rirmos juntos são momentos da vida que importa.
Desde sábado, porém, retornei à rotina holandesa: leitura, reflexão e escrita. Tem sido um período produtivo. A escrita acadêmica flui e me sinto bem. Escrevo, ao mesmo tempo, quatro textos em que registro informações coletadas e analisadas, reflexões e aprendizados. Uma produção que surge de um motivação intrínseca, não forçada por expectativas ou pressões da vida universitária. É claro que os textos comporão meu relatório para as instituições que me apoiaram nesta temporada de estudos em Utrecht. No entanto, o valor desses textos é muito mais substantivo do que instrumental. 
Nessa altura da vida, já não tenho que provar meu valor profissional. Escrevo sobre o que gosto e como gosto. De vez em quando, "para cumprir tabela", usando essa deliciosa expressão brasileira, coloco meus escritos nos padrões da academia. E, lá vão eles seguir a trajetória esperada: avaliação por pares, críticas, sugestões, ajustes, rejeições e, eventualmente, publicação. Será a trajetória desses meus textos "holandeses". Mas, já me propiciaram o prazer da escrita. Prazer que também é parte da vida que importa.
Há outros textos seguindo pelo mesmo caminho. Tomaram forma um pouco antes da vinda para Utrecht. Serão publicados? Talvez, sim! Talvez, não! Assim, como os que escrevo agora. Contudo, seu valor para mim é muito mais substantivo do que instrumental. Refletem a satisfação que senti ao juntar ideias, às vezes sozinho, às vezes com outros e outras colegas, e apresentar um conhecimento novo e potencialmente útil. Não são apenas instrumentos para criar linhas no Lattes! Eventualmente, estarão no Lattes, mas o que importa é o julgamento do leitor e da leitora. O restante são apenas pontos para justificar a burocracia acadêmica. Pontos que não têm nada a ver com a vida que importa.
A dúvida sobre a conveniência de vir para cá em tempos pandêmicos, que quase me fez desistir da ideia, mostrou-se infundada. Apesar das dificuldades com a retomada dos lockdowns, entre novembro e meados de fevereiro, do pouco convívio com professores e estudantes da Utrecht University, enfim, me parece que foi uma decisão acertada. Voltarei para Curitiba e para minhas atividades junto à UFPR um pouco melhor. Aprendi muito sobre meu tema de estudo. Conheci pessoas que me impactaram substantivamente, tanto na universidade quanto no mundo da poesia. Vi lugares e vivi momentos que estarão sempre em minha memória, ajudada pela imensa quantidade de fotografias que registrei em meu celular. Passeei com Paloma, a primeira filha.
Fernanda, a caçula, não pode vir. Mas, em breve, nos reencontraremos em Curitiba. Para ver seu sorriso, sentir seu carinho, ouvir seus planos de vida, enxugar alguma lágrima, e rirmos juntos. Afinal,  assim é a vida que importa.