quarta-feira, 6 de abril de 2022

Crônicas na Holanda 25 - Das filhas e da vida substantiva

Estamos exatamente na metade da penúltima semana de nossa estadia em Utrecht. Pouco mais de meio dia da quarta-feira, seis de abril de 2022. Envolvido com minhas tarefas de conclusão desse período de pós-doutoramento na Utrecht University, na noite de ontem me dei conta de que não havia escrito a crônica semanal. Outros escritos me afastaram dessa tarefa auto imposta: registrar semanalmente impressões e sentimentos de seis meses na Holanda. Falar da vida substantiva, da vida que importa!
Na semana anterior, Paloma e Murilo nos visitaram. Chegaram junto com a virada no clima. De um começo de primavera ensolarada e quente (para os padrões holandeses), com temperatura chegando aos 18 graus centígrados, para dias de neve, tanto em Utrecht quanto em Amsterdam, com temperaturas próximo de zero. Porém, a alegria de receber filha e genro e de poder passear com eles por aqui, fez com que o frio pouco importasse. Foram quatro dias de passeios pelo Keukenhof (famoso jardim holandês, em especial devido às tulipas, que reabriu após dois anos fechado), Zaandam e seu parque de moinhos de vento, Utrecht e Amsterdam. Ver o sorriso da filha, sentir seu carinho, ouvir seus planos de vida, e rirmos juntos são momentos da vida que importa.
Desde sábado, porém, retornei à rotina holandesa: leitura, reflexão e escrita. Tem sido um período produtivo. A escrita acadêmica flui e me sinto bem. Escrevo, ao mesmo tempo, quatro textos em que registro informações coletadas e analisadas, reflexões e aprendizados. Uma produção que surge de um motivação intrínseca, não forçada por expectativas ou pressões da vida universitária. É claro que os textos comporão meu relatório para as instituições que me apoiaram nesta temporada de estudos em Utrecht. No entanto, o valor desses textos é muito mais substantivo do que instrumental. 
Nessa altura da vida, já não tenho que provar meu valor profissional. Escrevo sobre o que gosto e como gosto. De vez em quando, "para cumprir tabela", usando essa deliciosa expressão brasileira, coloco meus escritos nos padrões da academia. E, lá vão eles seguir a trajetória esperada: avaliação por pares, críticas, sugestões, ajustes, rejeições e, eventualmente, publicação. Será a trajetória desses meus textos "holandeses". Mas, já me propiciaram o prazer da escrita. Prazer que também é parte da vida que importa.
Há outros textos seguindo pelo mesmo caminho. Tomaram forma um pouco antes da vinda para Utrecht. Serão publicados? Talvez, sim! Talvez, não! Assim, como os que escrevo agora. Contudo, seu valor para mim é muito mais substantivo do que instrumental. Refletem a satisfação que senti ao juntar ideias, às vezes sozinho, às vezes com outros e outras colegas, e apresentar um conhecimento novo e potencialmente útil. Não são apenas instrumentos para criar linhas no Lattes! Eventualmente, estarão no Lattes, mas o que importa é o julgamento do leitor e da leitora. O restante são apenas pontos para justificar a burocracia acadêmica. Pontos que não têm nada a ver com a vida que importa.
A dúvida sobre a conveniência de vir para cá em tempos pandêmicos, que quase me fez desistir da ideia, mostrou-se infundada. Apesar das dificuldades com a retomada dos lockdowns, entre novembro e meados de fevereiro, do pouco convívio com professores e estudantes da Utrecht University, enfim, me parece que foi uma decisão acertada. Voltarei para Curitiba e para minhas atividades junto à UFPR um pouco melhor. Aprendi muito sobre meu tema de estudo. Conheci pessoas que me impactaram substantivamente, tanto na universidade quanto no mundo da poesia. Vi lugares e vivi momentos que estarão sempre em minha memória, ajudada pela imensa quantidade de fotografias que registrei em meu celular. Passeei com Paloma, a primeira filha.
Fernanda, a caçula, não pode vir. Mas, em breve, nos reencontraremos em Curitiba. Para ver seu sorriso, sentir seu carinho, ouvir seus planos de vida, enxugar alguma lágrima, e rirmos juntos. Afinal,  assim é a vida que importa.
 

2 comentários:

  1. Bravo!!! Crônicas da vida cotidiana... Sim, a vida é o que importa em singularidade, nos momentos, nos sentimentos e com as pessoas que verdadeiramente nos amam.

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