quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Um chope, uma porção de fritas e um livro de bolso

Na verdade foi meia porção de fritas. Sozinho, ele não daria conta dos 500 gramas da porção inteira. O chopp era tamanho padrão inglês. O famoso pint. Por fim, contos eram o que continha o livro de bolso. Como esse que agora lhe conto.
Ele estava no hospital. Tinha que contar ao médico porque fizera aquilo. Não era um conto. Era história vívida. Poderia até inventar algo. Mentir. Mas, naquela época ainda não se tornara um escritor de contos. Ainda não era meu colega de ofício. Isto só aconteceria mais de duas décadas depois. Assim, resolveu se abrir. Contar tudo.
O primeiro conto do livro sugeria um cenário hospitalar. Só sugeria. A autora não usou essa palavra ou qualquer uma que tivesse uma raiz comum a hospital. No entanto, a narrativa tinha que estar ocorrendo em uma casa de saúde. Foi isto que ativou sua memória.
Lembrou -se da pergunta do médico. Por que? Uma caixa de aspirina! De uma vez! Por que?
Era muita dor. Foi sua resposta. Onde? Perguntou o médico. Na alma. Ele disse. O médico riu. Ele também. E depois ainda foi capaz de brincar. Confundi analgésico com almagésico, doutor!
Para o médico, a piada foi um indicador de que não era nada sério. Prescreveu uma lavagem estomacal. Depois o mandou para casa. Perguntou se estava acompanhado. Não, foi a resposta. Tinha vindo sozinho. Era seu costume. Nao gostava de incomodar ninguém. Mas, naquele dia nao tinha a quem incomodar. Estava sozinho em casa.
O médico quis chamar um táxi. Ele dispensou. Preferia ir caminhando. Outro hábito que tinha. Era um fim de tarde de inverno. Não muito frio e com o sol ainda brilhando. Fraco.
Ao sair do hospital, vinha um caminhão na direção dele. Esperou. O motorista lhe acenou e deu uma buzinada. No parachoque traseiro estava escrito:
Do destino ninguém foge.
Em letras brancas. Caiu na gargalhada.