domingo, 26 de novembro de 2023

Rachel de Queiroz, a cronista


Dias atrás, minha companheira e eu fomos a um evento organizado pelo Plural, jornal online curitibano. No Beck's Bar, o evento era uma oportunidade de trocar livros. No convite o mote: traga um livro e troque por outro. O tão antigo escambo transformado na oportunidade de acessar um livro ainda não adquirido.
Eu, com meu recém lançado livro de crônicas - O Clarinetista na Janela - e outro livro de escritor londrinense também, aproveitei a oportunidade para trocar o segundo por um livro de Cristóvão Tezza - Beatriz e o Poeta. Deixei o meu de crônicas na esperança de que fosse o objeto de escambo por leitor ou leitora anônima. Minha companheira trocou o livro que levou por uma coletânea de crônicas de Rachel de Queiroz. Depois dos comes e bebes no Beck's Bar, retornamos para casa com os livros escolhidos.
Dias depois, no domingo passado, embarquei para Brasília onde passaria quatro dias a trabalho, em atividades vinculadas ao curso de pós-graduação em políticas públicas em que atuo na universidade. Pensando nas pouca mais de duas horas de vôo entre Curitiba e Brasília, mais algum tempo de espera no aeroporto, levei o livro de crônicas de Rachel comigo. É claro que devidamente autorizado pela proprietária do livro, minha companheira.
Depois que passei pelos controles de segurança no aeroporto, sentei-me próximo ao portão de embarque previsto para o vôo. Iniciei a leitura das cronicas de Rachel de Queiroz, de quem, em minha memória trago a lembrança de ter lido seu livro de estreia, O Quinze. Leitura que fiz ainda adolescente, provavelmente guiado por sugestão ou tarefa de algum professor ou professora de literatura durante meus estudos de ensino médio. Teria sido a professora Zita Kiel, no Colégio Londrinense, quem me aproximou de Rachel de Queiroz?
Não sei dizer! Porém, guardo uma memória afetiva dessa professora que muitos e muitas conheceram em Londrina, minha cidade natal. Foi com a professora Zita com quem aprendi a diferença entre rima rica e rima pobre. Foi ela, também que, ousadamente em uma aula matinal, sugeriu a uma turma de rapazes e moças que o mênstruo, que explicou ser a menstruação, feminina, poderia ser tema de poesia. Foi ela, ainda, que certa manhã sugeriu um tema de redação - Encontro - que, para mim, até onde minha memória me serve, foi meu primeiro escrito de ficção em que explorei os múltiplos significados que uma palavra pode assumir. Ah, professora Zita! Cinquenta anos atrás, você me guiava, talvez inconscientemente, nos caminhos da literatura que ainda hoje me atraem. E, quem diria, praticante da escrita em vários gêneros.
Não esperava, que ao desejar comentar sobre as crônicas de Rachel de Queiroz, eu trilharia por memórias da adolescência. Volto a Rachel de Queiroz. Confesso que as primeiras crônicas que li, me desagradaram. Ousadia minha criticar a escrita da primeira escritora a integrar a Academia Brasileira de Letras? Talvez não! A crônica, como estilo literário, às vezes, pode ser datada. Isto é, tratar de assuntos que com o passar dos anos, perdem o interesse. Talvez, tenha sido esse o motivo de meu desagrado com as primeiras crônicas. Ou talvez, por serem crônicas iniciais dessa grande escritora brasileira. 
A coletânea de crônicas de Rachel de Queiroz segue uma ordem cronológica. A primeira é de janeiro de 1946. A última foi publicada em fins de 1956. Pouco mais de uma década de textos. No conjunto, são, como diz o título do livro, 100 crônicas escolhidas: um alpendre, uma rede, um açúcar.
No vôo de volta, continuei as leituras. Hoje avancei um pouco mais. Cheguei aos textos do começo da década de 50. Ah, a persistência é recompensada! 
Crônicas deliciosas e inspiradoras surgiram na segunda metade da coletânea. Entre elas, Jimmy escrita na Paris de 1950, e História alegre, no Rio de Janeiro, em 1951. Memórias de 1952 e O direito de escrever do mesmo ano são crônicas impecáveis sobre a própria escrita. Também desse ano, a dolorida Cantiga de navio e a divertida Um punhado de farinha. Entre tantas crônicas que me ajudaram a refletir sobre esse gênero que me atrai, por fim, destaco O rei dos caminhos, descrição inesquecível da profissão de caminhoneiro no nordeste brasileiro dos ano 50 do século passado.
Ah. Rachel de Queiroz, a cronista! Quem diria que, 50 anos depois de ler O quinze, eu teria esta oportunidade de reencontrá-la! E aprender com você, que mesmo na crônica há espaço para a ficção e poesia.
Você que me lê, quer um exemplo? Leia a Simples história do amolador de facas e tesouras, escrita em 1956, na qual a cronista escolhe um final da história diverso do que lhe foi contado. Ao invés de uma triste tragédia, a felicidade do sonho realizado!

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