domingo, 12 de novembro de 2023

De onde vem a inspiração? (ou uma crônica em busca de um título)

Na manhã de domingo, o calor primaveril está mais intenso. Uma caipirinha ajuda na busca do frescor. No aplicativo de músicas, uma seleção feita para ele. Assim, informa o menu. Corre o risco, e clica sobre ela. A escolha não o desaponta. Logo depois de Elba Ramalho, entra Chico César com Estado de Poesia.
De repente, talvez inspirado pela canção, ele se põe a escrever. Apesar de poeta também, a escrita segue o rumo da prosa. Naquela manhã, já acordara com vontade de escrever. Às cinco e meia, o sol nascera e seus raios se intrometiam nas frestas das cortinas que não davam conta do tamanho da janela do quarto.
Levantou e fez o café. Na cama, a mulher ainda dormia. O cão, já idoso, saíra de sua cama e se prostara frente ao ventilador que ficara ligado desde que se deitaram. O calor noturno continuava pela manhã. Ao passar pelo cão, desligou o ventilador. A mulher estava coberta, apesar do calor. Não reclamaria. O cão lhe olhou. Parecia aborrecido. Levantou-se e o seguiu à cozinha. Um pouco de ração o acalmou.
Uma xícara de café com uma fatia de pão. O seu desjejum sempre frugal. No pão, sempre manteiga com geleia. Primeiro a manteiga, depois a geleia. Às vezes, um pedaço de fruta. Mamão ou banana. O cão sempre ganha sua parte das frutas. Na manhã de domingo ficou frustrado. Não houve frutas. Mais tarde, quando a mulher se levantasse, uma fatia de mamão estaria à mesa. O cão que esperasse. Ela sempre salva um pedaço para ele. Mais tarde, o levaria para a caminhada matinal e alívio da bexiga e intestino.
Enquanto isso, na penumbra da sala, lhe vieram à mente lembranças do pai. O pai que comia as sementes do mamão. Nunca entendeu como o pai conseguia engulir aquilo. Aliás, havia muitas coisas da vida do pai que não compreendia. Na relação entre pai e filho, havia mais silêncios do que falas. Talvez, se as conversas tivessem sido mais amiúdes, as incompreensões pudessem ter sido menos frequentes. 
Qual o quê! Com um abano de mão, tentou afastar a memória. Reminiscências de uma visão romântica que lhe inculcaram na infância e adolescência. Compreender os mais velhos é obrigação dos mais jovens. Me poupa! Ele falou sozinho na sala.
O cão, já quase surdo, virou a cabeça em sua direção. Teria ouvido? Impossível saber. Mas viu quando  pegou a guia do cão. Imediatamente levantou-se e caminhou em sua direção. Desceram para a caminhada matinal.
Nada como pegar as bostas do cão na calçada para trazer alguém de volta ao mundo real. Que importam as incompreensões? O cotidiano da vida se impõe a qualquer filosofia. Haja chuva ou  faça sol, sigamos em frente. Entre bostas de cachorro, sol primaveril e pouco vento, quem sabe nasça um haicai!

Nenhum comentário:

Postar um comentário