terça-feira, 21 de junho de 2016

O gato e o sonho

Só se ouvia o leve ressonar do gato. Passando dos dez anos de vida, de vez em quando soltava um ronco mais forte. Em seguida, continuava ressonando. Suave. Era o turno da tarde. 
Eu me perguntava, se os roncos tinham a ver com sua idade. Não havia observado isto antes. Apenas nos últimos meses. Desde que caíra da janela do apartamento. Ainda bem que morávamos no primeiro andar. A queda foi de, no máximo, três metros e meio, talvez quatro. Na primeira semana, manquitolava um pouco. Depois, parou. Então, começaram os pequenos roncos.
Mas, como dizia, era o turno da tarde. Acumulava energias para a noite e madrugada. Meu sono andava leve ultimamente. De madrugada, as curtas corridas do gato me acordavam. Ele gostava de disparar pelo corredor e escorregar nos tapetes da sala. Às vezes, um pouco mais de energia o levava de encontro à parede. Eu ouvia um barulho esquisito. Acho que batia a cabeça. Será que isto tem a ver com os roncos recentes?
Naquela tarde, eu chegara mais cedo do trabalho. Meus horários flexíveis são uma das coisas boas dele. Abri a porta. Cinco e meia. O gato, em seu canto, embaixo de uma cadeira, nem levantou a cabeça. Abriu os olhos. Fechou. Um momento. Literalmente, um piscar de olhos.
Ninguém em casa. Pensei como seria bom se fosse um cachorro. Pelo menos, as boas vindas seriam mais calorosas. Mas, não pense que reclamo. O gato se encaixa no meu estilo. Cada um por si. Quando necessitar, pede-se ajuda. É o que ele faz quando tem fome ou quer que limpe sua caixa de areia. Mia!
Eu, como não mio, me contento com uns afagos que ele aceita todo dia. Antes de eu dormir, leio na cama. Ele se junta a mim. Faço uns cafunés até que ele me dá as costas e salta da cama. Me educou bem.
Sozinho, já que o gato era apenas uma presença material, distinta das demais presenças, móveis e eletrodomésticos, apenas pelo ressonar, resolvi ler um pouco antes do jantar. Ler e escrever. Também fazem parte de meu trabalho. Ser pago para isso! Você acredita?
Como não estava em meu horário de trabalho, peguei um dos livros de cinema. A estante fica ao lado da cadeira sob a qual o gato dormia. Sentiu minha aproximação. Outro piscar de olho.
A caminho do quarto, parei na cozinha e preparei uma xícara de café. Nessas máquinas modernas. Com cápsulas. Pequenos luxos que a vida nos permite. Prático também. Café na mão direita, livro na esquerda, caminho para o quarto.
O silêncio do apartamento me incomoda. Penso em ligar o som. Desisto. Me tiraria a concentração da leitura.
Tomado o café, me estiro na cama. O gato vem atrás. Ainda não é hora. Pula na cama. Não faço cafuné. Que aguarde.
Acordo de madrugada. Um peso no peito. O livro entreaberto. Não passei da página cinco.
Sonhei que havia chegado em casa. O gato ressonava. Nem ergueu a cabeça quando abri a porta. Abriu e fechou os olhos. Um piscar de olhos. Outro quando peguei um livro. Fiz um café na cozinha. Me estirei na cama. O gato veio atrás. Não fiz cafuné. Que aguardasse.
Acordei de madrugada. Um peso no peito. Sonhei que chegara em casa. O gato piscou. Peguei livro. Fiz café. Me estirei na cama. Gato veio atrás. Não fiz cafuné.
Acordei de madrugada. Um peso no peito. Sonhei que... Dessa vez fiz cafuné no gato. Consegui me levantar. Fui até a sala. Gato piscou só um olho. Parecia irônico. Teria me enfeitiçado?
Da próxima vez compro um cachorro.

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