sábado, 22 de janeiro de 2022

Crônicas na Holanda 15 - Sobre cuidados: oficiais, incidentais e até mesmo acidentais!

Nos últimos dias, coisas pouco usuais aconteceram comigo. Começo pela mais recente. Há dias, estava um pouco angustiado com uma correspondência que deveria chegar para minha mulher. Ainda relacionada à questão da prova vacinal contra o vírus da Covid 19. Como contei em outra crônica, tivemos que tomar duas doses da vacina da Pfizer após nossa chegada neste país. Por razões não esclarecidas para nós, as doses da Coronavac que tomamos no Brasil não foram aceitas pelo governo holandês. Depois de decorridas duas semanas da segunda dose da Pfizer, estaríamos devidamente imunizados segundo as autoridades sanitárias. Ou seja, como nossa segunda dose nos foi aplicada no dia 13 de dezembro, desde 27 do mês passado completamos o requisito de vacinação contra a Covid 19.

Depois disso, teríamos que instalar um certificado digital da vacinação em um aplicativo nos nossos celulares, o CoronaCheck. Este aplicativo é usado pelos países membros da Comunidade Europeia. Para conseguirmos fazer isso, no entanto, deveríamos fazer um procedimento prévio: nos registrar junto ao Digid, que é um meio digital de sermos identificado pelas autoridades do governo e termos acesso aos serviços online. Mas, para nos registramos no Digid, tivemos que ir até a prefeitura local, para informar nosso novo endereço, pois o código de ativação do Digid nos seria enviado por correio. Parece complicado, não é? E é mesmo!

Da primeira vez que tentei fazer nosso registro no Digid, não consegui. O endereço registrado na prefeitura era, ainda, o endereço provisório que a Utrecht University me havia fornecido para efetuar o cadastro na prefeitura de Utrecht, enquanto ainda estávamos em Amsterdam. Depois de informado o endereço atual, consegui fazer o cadastro no Digid e, cinco ou seis dias depois, eu recebi a carta com o código de ativação. A correspondência para ela, no entanto, não chegou! Esperamos mais uns dias. Nada!

Pedi ajuda da funcionária (landlady) que atende aos inquilinos dos apartamentos na universidade. Ela sugeriu que eu verificasse com a recepção da universidade. Foi o que fiz. Surpresa! Como o nome dela não estava registrado no cadastro de moradores da universidade, já que ela não tem vínculo com a mesma, a moça disse que provavelmente a correspondência deveria ter sido devolvida ao remetente. A moça foi atenciosa comigo. Aproveitou para registrar nosso novo apartamento, pois ao final de dezembro, saímos do 9E e entramos no 9A. Incluiu o nome dela no cadastro.

Quanto ao Digid, tivemos que repetir a inscrição dela online. Hoje, depois de uma semana, ela recebeu o código de ativação do Digid. Ativado o Digid, nós dois conseguimos ter o comprovante de vacinação em nosso celular devidamente instalado no CoronaCheck. Agora é só esperar o governo aliviar o lockdown, para começarmos a usá-lo. Há rumores de que a partir da próxima terça-feira, bares, restaurantes, museus e outros espaços de lazer e cultura serão autorizados a reabrir. Mas, ainda com a exigência de controle de acesso por meio do CoronaCheck.

Mas, isto tudo, embora possa ser enquadrado na categoria do pouco usual como afirmei acima, é só um preâmbulo para falar de outros três eventos. Na correspondência que peguei pela manhã, além da carta para ela, havia um envelope para mim. Ao abri-lo, descobri que continha instruções e um kit para coleta de material para um exame de sangue nas fezes. Apesar de estar tudo escrito em holandês, após algumas traduções que fiz pelo Google, percebi que é um convite para participar de um programa de controle de câncer no intestino, implantado pelo governo holandês. A participação é voluntária a partir dos 55 anos, e o exame é feito a cada dois anos. Além desse programa, há mais dois: um de prevenção ao câncer de mama e outro para o cervical. Bacana, não é? 

Depois de dez dias, se eu resolver participar, receberei o resultado do exame pelo correio. Se for necessário, serei encaminhado para uma consulta e uma colonoscopia. O primeiro exame é gratuito, mas a consulta e a colonoscopia são cobertas pelos seguros de saúde que cada cidadão deve ter por aqui. Este é o cuidado oficial que faz parte do título da crônica. O governo tentando prover aos que moram no país, alguns cuidados de saúde preventivos e muito importantes.

Mas, você, minha prezada leitora e meu prezado leitor, deve estar, a esta altura querendo saber sobre os outros cuidados que estão no título, não é. Pois então, vamos ao cuidado incidental que recebi três dias atrás.

Fui ao supermercado Plus fazer uma compras. A cada três ou quatro dias, eu vou às compras. Às vezes no Plus, às vezes em outra rede, Albert Heijn, e outras vezes em uma pequena mercearia bem próximo de casa, a Olifje, que tem muitas delícias da culinária do Oriente Médio, além de frutas, verduras, legumes, pães e outros itens de secos e molhados. No Plus, tem umas profiteroles cobertas de chocolate que são uma perdição! Haja caminhadas para queimar as calorias provenientes delas e das baclavas da Olijfe, feitas com nozes ou pistaches e mel em uma massa muito fina!

Quando cheguei ao caixa do Plus, a cesta que eu havia pegado para colocar os produtos estava transbordando. Acabei comprando, como quase sempre acontece, muito mais do que havia pensado. Ao colocar a cesta sobre o aparo em frente ao caixa, enquanto a atendente ia passando os produtos, ela me falou algo em holandês. Como não entendi, ela repetiu em inglês:

_ Da próxima vez, pegue o outro tipo de cesta. Esta que você pegou é para os mais jovens.

Olha que moça mais gentil. Tão cuidadosa! Eu ri sozinho, pois de forma muito delicada, ela tinha acabado de me chamar de velho, não é? O outro tipo de cesta tem uma aba mais comprida e pequenas rodas em uma de suas partes. A gente pode facilmente arrastá-las pelo piso enquanto fazemos a compra. Foi um momento em que recebi um cuidado deliciosamente incidental!

Por fim, chego ao terceiro cuidado desta crônica. Ao final da manhã, depois de termos passeado por um parque perto de onde moramos, pegamos um ônibus e fomos ao centro de Utrecht. Depois de andarmos um pouco pela região central, fomos até uma feira de rua que ocorre duas ou três vezes por semana, nas imediações de um shopping-center. Há de tudo um pouco nesta feira; frutas, legumes, carnes, peixes, queijos, e muitas barracas de comidas.

Depois de passarmos por várias opções, decidimos comer um cachorro-quente. Havia uma fila de clientes não muito longa, mas ela avançava devagar. Somente o proprietário da banca estava atendendo os clientes. Enquanto esperávamos, de repente, ouço um barulho estranho. Algo que soou como um “flope”, um som de coisa caindo e batendo na minha roupa. Foram três flopes. Olhei para o ombro direito e vi, na jaqueta, três cagadas de uma gaivota. Devido às bancas de peixe, havia muitas gaivotas sobrevoando a feira. E, entre tantos, eu fui o felizardo de receber os bólidos voadores que escaparam do rabo de uma gaivota. Sortudo, não? Mas, antes cagado de gaivota na Holanda do que cagado de arara no Brasil!

E aí, chegou o terceiro cuidado. Depois que eu vi as manchas na jaqueta, pedi que minha mulher pegasse alguns guardanapos na banca de cachorro-quente para limpar a cagada da gaivota. O que ela fez com muito carinho, mas às gargalhadas. Este foi o cuidado acidental!

É impressionante, mas parece que a vida conspira para eu escrever estas crônicas. Às vezes, não tenho a mínima ideia sobre o que poderia escrever. E então, vem a vida e me coloca em três momentos pouco usuais. O que eu posso fazer? Contar para vocês, não é?


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