sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

O Que Nós Somos?

Esta pergunta me foi feita há vinte e quatro anos atrás. Veio de Paloma essa indagação que, a princípio, me assustou. Naqueles dias já praticávamos nossa conversação bilingue. Paloma e Fernanda falavam em inglês e eu respondia em português. As duas foram primeiramente alfabetizadas em inglês. Me indagou ela:
_ Daddy, what are we?
Paloma, então, se aproximava dos seis anos de idade e havíamos chegado de sua escola onde fora buscá-la. Estávamos na Universidade de Lancaster onde morávamos. Telma estava fazendo seu doutoramento nesta universidade. Eu fazia o meu na Universidade de Manchester. Fernanda, um ano mais nova, frequentava a mesma escola em Galgate, pequena vila ao sul da cidade. Buscá-las na escola era algo que fazia quando não estava em Manchester. Muitas vezes, ia de manhã para a Manchester Business School e voltava à noite. Mas, não precisava ir todos os dias.
Passado o susto, perguntei o que ela queria saber. Não era uma questão existencial, como eu temia. Era mais direta, mas não mais simples.
A escola que Fernanda e Paloma frequentavam recebia muitas crianças estrangeiras. Eram os filhos e filhas dos estudantes que vinham de outros países estudar na universidade. A escola era vinculada à igreja anglicana, mas tinha uma abordagem eclética nos estudos de religião já que recebia crianças cujos pais tinham as mais diversas crenças.
Paloma queria, simplesmente, saber qual era nossa religião. Ela tinha amigas anglicanas, muçulmanas, católicas, judias, protestantes e budistas. É provável que tenha sido questionada sobre o que éramos.
Mais aliviado, lá fui eu explicar a uma menina com pouco mais de cinco anos porque não tínhamos uma religião. Me lembro que disse algo assim:
_ Filha, sua mãe e eu não temos uma religião. Não acreditamos na existência de deus. Mas, quando você crescer, você poderá fazer sua escolha. Nós não podemos fazer essa escolha para você.
Não sei como Paloma lidou com isso na escola. Ela nunca mais tocou no assunto.
Para mim, ficou a esperança de que ela tenha aprendido naquela escola como é importante conhecer o diverso e respeitá-lo. Cada uma daquelas crianças era adorável apenas por ser criança. Não importava a crença religiosa de seus pais. Me lembro de um convívio harmonioso daquelas crianças que volta e meia estavam em nossa casa.
Quanto a mim, acho que ela e Fernanda descobriram, ao longo dos anos, que além de tentar responder a suas dúvidas, estou sempre torcendo por suas escolhas na vida. É para isso que servem os pais.
E, sem nenhuma surpresa, acabei me tornando professor. Respondedor de perguntas que respeita as escolhas de cada estudante. Simples assim.
Quanto ao que nós somos, creio que você tem uma resposta própria

Nenhum comentário:

Postar um comentário