sábado, 23 de janeiro de 2016

Rotina

Andava se sentindo como Tom Baxter, aquele personagem que sai de dentro de um filme para conhecer Cecília na platéia de uma sala de cinema em A Rosa Púrpura do Cairo de Woody Allen. Só não conseguia ver a platéia.
Sua vida era como um filme projetado todos os dias. Aos sábados e domingos, era outra história. Mas que também se repetia. Sempre igual.
No trabalho, a rotina era tão intensa que até suas escapadas para ir ao banheiro ou fumar um pouco lá fora aconteciam todo os dias nas mesmas horas. Sempre encontrava os mesmos colegas nesses dois espaços. O telefone tocava sempre às 10:25. Do outro lado da linha, o chefe:
_ Qual a posição das vendas de ontem?
_ Caíram mais um pouco.
_ Em que estamos errando.
_ Nada, é o mercado que está ruim. Respondia.
Na verdade, queria responder:
_ Não recebo para pensar. Esse é seu problema. Foda-se.
Mas, não tinha coragem. Precisava daquele salário. Sabia que, em sua idade, próximo dos 60, não teria chance em outro lugar.
Se não bastasse a mesmice do trabalho, a ida para casa era cronometrada também. Pegava o ônibus em frente à empresa às 17:43. Treze minutos após bater ponto. Descia no décimo sétimo ponto, às 18:51. Desde que instalaram aqueles relógios nos pontos de ônibus, começara a notar essa regularidade.
Todo dia, ela embarcava no ônibus dois pontos após o seu. Descia, às 18:27, dois pontos antes do seu. Sempre com o mesmo uniforme branco. Sorriam quando se viam frente à frente. Ocupavam sempre os mesmos assentos.
Em casa tinha sua rotina também. Assim que entrava ligava a televisão, sempre no mesmo canal. No quarto tirava a roupa, jogava sobre a cama, entrava no banheiro, enquanto fazia suas necessidades lia a mesma revista. Por último banhava-se. Esquentava alguma coisa para comer. Depois da última novela ia dormir.
Aos sábados, acordava às nove horas. 10:16, café e pão com manteiga na padaria em frente. Ônibus para o centro, chopinho no calçadão, almoço com amigos no Arrumadinho. Às 16:15 chegava de volta à casa. Ia dormir depois da última novela.
Aos domingos, missa de manhã. Joquei clube à tarde. Sua vida era como o show da vida na tv. Sempre a mesma coisa.
Naquele dia estava sentindo uma angústia insuportável. Não aguentava mais tanta rotina. Fez tudo como sempre no trabalho. Quase disse um foda-se para o chefe. Respirou fundo e calou-se.
Aquele momento foi uma iluminação. Nunca respirara fundo no trabalho. As coisas podiam ser diferentes.
Às 17:43 entrou no ônibus em frente à empresa. No segundo ponto, desceu e antes que ela subisse disse:
_ Vem comigo.
_ Por que? Ela perguntou surpresa.
_ Porque podemos. Você não assistiu A Rosa Púrpura do Cairo?
_ Vai subir? Perguntou o motorista.
Ela hesitou, mas resolveu ficar. Ela assistira A Rosa Púrpura do Cairo.

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