quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Desmemória

Quando queria contar algo e não lembrava, inventava. A primeira vez que isso aconteceu, tinha pouco mais de trinta anos. Falava com um grupo de amigos em um bar na esquina da Alagoas com a Antonina, atual JK.
A conversa era sobre conquistas quase amorosas. Ou sendo menos sutil, sexuais mesmo. Naquela época ainda não existia o ficar. Assim, o investimento de tempo em uma conquista exigia algum esforço. Não era tão fácil como hoje.
Quando começou a contar, esqueceu com quem tinha saído. Na hora deu aquele branco. Não lembrava de mais nada. Mas, conseguiu disfarçar bem, forçando uma tosse quando o nome que queria lembrar não veio à boca. Rapidamente, falou:
_ Saí com a Vanessa a semana passada. Lembram-se dela?
Ninguém lembrava de nenhuma Vanessa.
_ Pô pessoal, aquela loirinha que gostava de falar de mecânica de carro no colégio. Ela sabia mais de carro do que qualquer um de nós.
Os amigos continuaram dizendo que não se lembravam.
Aí não tinha mais jeito. Continuou inventando. Disse que levou a ex-colega de colégio para um motel. Tinham se encontrado na saída da missa das dez horas do último domingo. Foi na igreja da Belo Horizonte, onde todo mundo tinha feito as aulas de catecismo e primeira comunhão. Ela estava de preto. Viúva. O marido havia morrido em um acidente de ônibus voltando de São Paulo para Londrina. Seis meses de luto. Chamou ela para almoçar. Ela aceitou sem titubear. Foram em uma churrascaria no centro. Ainda bem que não encontraram nenhum conhecido.
De repente, na hora do cafézinho, ela disparou:
_ Sempre prestei atenção em você no colégio. Mas, você sempre foi tão tímido.
Aproveitou a deixa:
_ Eu também tinha um tesão por você. Como eu não entendia nada de carro, não sabia como puxar conversa com você. Você só falava de carro e mecânica.
Ela sorriu. Ele aproveitou e pegou na mão dela, dizendo:
_ Vamos fazer o que deveríamos ter feito há 15 anos atrás?
Nessa altura da história, ele lembrou que tinha saído com a Lurdinha. Que já tinha saído com quase todos. Mas que importa, a história com a Vanessa estava muito boa. Arrematou:
_ Ficamos no motel até o meio-dia da segunda-feira. Não falamos nenhum pouco de mecânica de carro.
Os amigos pediram a saideira. Foi para casa. Mais de onze horas da noite. Deitou e dormiu logo. Tinha que ir bem cedo para o trabalho na oficina do Tião. Sonhou com uma loira de preto. Acordou melado. Na oficina, cuidava do escritório. Ainda não entendia nada de carro.
Vinte anos depois, vai à missa das dez todo domingo. Não se conforma de nunca mais ter encontrado a Vanessa. Nunca se esqueceu daquele domingo.

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