domingo, 10 de janeiro de 2016

Quando Chorei ao Ver a Beleza

Beleza é algo indefinível para mim. Se alguém me pedisse para descrever o que é o belo, creio que não seria capaz de fazê-lo. Nas mitologias teve deuses e deusas. É muito provável que já tenha sido objeto de definição pelos filósofos. Mas, há algumas coisas que não me interessam saber como a Filosofia as explica. A felicidade, a tristeza, o desejo, o prazer e a dor não física são algumas delas. São coisas que só fazem sentido ao serem sentidas, qualquer discurso fica muito aquém do que sinto. Assim é com a beleza. Não sei dizer o que é, mas tenho certeza sobre o que é, quando se revela para mim. Basta ser sentida. Não precisa de explicação.

Ontem fui ao cinema. O filme que assisti foi 8½ de Fellini, produção de 1963, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro. Filmado totalmente em preto e branco, o filme começa com um extemporâneo engarrafamento de trânsito em que vemos um homem desesperado, tentando sair do interior de um carro. Não consigo imaginar um congestionamento de trânsito acontecendo 50 anos atrás. Será que já existiam?

É muito provável que já tenha assistido esse filme no passado. Os momentos iniciais do filme me pareciam familiares. Mas, não me lembrava da trama toda. Marcello Mastroianni vive o personagem principal, um famoso diretor de cinema, que está envolvido na realização de mais um filme, em meio a uma crise criativa. A maior parte da história ocorre em uma estação de águas, e ao longo da trama, somos expostos a flash-backs e sonhos do personagem principal. É em 8½ que Fellini nos traz Saraghina, uma memorável prostituta gorda que vai surgir nas cenas de um flashback sobre a infância do protagonista. Ela é interpretada por Eddra Gale.

Logo nos primeiros momentos fui sentindo um encantamento com as imagens que iam se desenrolando à minha frente. Eram incrivelmente belas. Em determinado momento, na estação de águas, surge um adivinho acompanhado de uma velha senhora que é capaz de dizer os pensamentos das pessoas. Ao verem que ela sempre acerta, muitos se levantam e começam a ir embora, provavelmente fugindo do possível constrangimento da revelação de algum pensamento inadequado. Mas, o personagem de Mastroianni, Guido, se dispõe a passar pela experiência. A velha senhora, não consegue explicar o pensamento de Guido, mas escreve uma frase que Guido confirma que era o que pensara.

Neste momento, um flash-back nos leva à infância de Guido. É nesse trecho do filme que surgirá, depois de algum tempo, a cena de Saraghina com os meninos. Incrivelmente tocante.  Com o desenrolar desse flash-back, que não tinha nada de especialmente emocionante, sinto meus olhos marejarem. A Beleza do filme que me enfeitiçara desde os primeiros momentos, parecia causar algo dentro de mim, que já não podia ficar preso dento de meu corpo. Foi na forma de lágrimas que meu corpo reagiu a essa poderosa ideia. Não sei descrever o que vi, mas tenho certeza que foi a Beleza.

Mas, parece que esse é um fim de semana em que a Beleza teima em se mostrar. Ontem à noite comecei a ler A Flecha de Ouro de Joseph Conrad, uma grande aventura que, a se acreditar, na introdução é inspirado em uma história real vivida pelo autor no fim dos anos 70 do século XIX. Conrad é o autor também de Coração das Trevas que foi adaptado para o cinema por Francis Ford Coppola no filme Apocalipse Now, em 1979, com Marlon Brando como protagonista. Mas, voltando à Flecha de Ouro, ao despertar hoje pela manhã dou continuidade à leitura e descubro que Doña Rita, uma personagem central nessa trama que começa a me prender, tinha sido uma mulher muito bela. Passeando na companhia de seu descobridor, a cavalo, pelo Bois de Bologne em Paris, eles encontram um velho escultor, Doyen, que logo após as primeiras palavras pede que Doña Rita olhe bem para os seus olhos. Os olhos do velho escultor se encheram de lágrimas. 

Mais uma vez, parece que a Beleza causara o extravasamento da emoção em forma de lágrimas. Assim como o velho Doyen, só posso dizer que vi a Beleza ontem. Não me peça para explicá-la. Quando você a ver saberá!

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