sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Dez Reais

Agenor começa seu dia como sempre. A mesma rotina. Uma xícara de café com leite e um pãozinho amanhecido. Mora no centro de Curitiba, próximo ao prédio histórico da UFPR, em uma quitinete com poucos móveis. Só o que cabe: uma pequena mesa com dois banquinhos, ao lado de um sofá velho com três lugares. Travesseiro, lençol e coberta estão desfeitos sobre o sofá. No criado mudo, uma luminária antiga e alguns livros esparramados. Um livro entreaberto no chão, perto de onde está o travesseiro. Não há porta-retratos. Paredes nuas, mas em uma delas há estantes com centenas de livros de bolsos. Não precisa de muito mais.
Agenor coloca xícara, pires, garfo e faca na pia e margarina na geladeira. Café solúvel e adoçante vão para pequeno móvel com uma gaveta e porta, branco, onde ficam mantimentos, ao lado de uma geladeira tipo frigobar, branca e amarelada do tempo. Em cima da geladeira, fruteira de vime com bananas, laranjas e limões. Agenor sai de casa. Um sábado pela manhã. Mas poderia ser qualquer dia. Aposentado, já não faz diferença entre dia útil e final de semana. É sempre a mesma coisa!
Sua primeira parada é na farmácia. Sobe na balança e confere seu peso, sempre os mesmo 70 quilos. Há mais de uma década. Uma atendente lhe cumprimenta:
_ Bom dia. Em que posso ajudar?
_ Bom dia. Tem genérico de Viagra?
_ De 20 ou 50 miligramas?
_ 50. Caixa com quatro. Dá para um mês. Um por semana.
Sorrindo a moça pergunta:
_ Vai pagar no dinheiro ou cartão?
_ Com cartão. Tem desconto para aposentado?
_ Não, mas posso parcelar em duas vezes.
_ Tá bom.
Da farmácia, vai até a sapataria. Precisa engraxar dois pares de sapato. O sapateiro está sentado em uma banqueta na porta da sapataria. Barrigudo, barbudo e cabeludo, lembra um Papai Noel, mas não é a época nem o lugar adequados. Tem cabelos ruivos, macacão cinza sujo de graxa, palito de dente na boca. 
_ Tenho dois pares para engraxar. Quanto você cobra?
_ Cinco reais cada.
_ Puxa! Tá caro!
_ Tá caro não. O senhor que ganha pouco.
Desiste de engraxar os sapatos e resolve ir ao Passeio Público. Na frente do lago, junto ao espaço reservado aos pedalinhos, vê um pipoqueiro:
_ Quanto é a pipoca?
_ Quatro reais. Quer doce ou salgada?
_ Salgada. Sou diabético.
Agenor tira dinheiro do bolso da calça. Uma nota de dez e duas de dois reais. Pega saquinho de pipoca. Dá dinheiro para o pipoqueiro. Guarda os dez reais no bolso da camisa. Olha para a direita e vê uma mulher de minissaia vermelha, botas pretas até os joelhos. Loura, batom vermelho forte, blusa branca de botões entreabertos. Seios fartos à mostra em sutiã vermelho. Passando por ela, ouve:
_ Oi amor. Vamos até a torre que faço oral em você.
_ Quanto?
_ Dez reais.
Com a mão no bolso, Agenor lembra dos dez reais que guardara no bolso da camisa.
_ Só uma chupeta?
_ Por delão você quer mais o que?
_ Com dez reais dá pra engraxar dois pares de sapato.
Agenor dá as costas para a prostituta e sai andando devagar. Volta para casa.
_ Velho maluco!
Antes, passa pelo açougue. 
_ Fala, seu Agenor.
_ Tudo bem, Osvaldo?
_ Tranquilo. O que vai ser hoje?
_ Os três bifinhos de sempre.
_ Contrafilé ou patinho?
_ Patinho, né, Osvaldo! Mais barato.
_ Que mais?
_ Por hoje é só.
_ Dez reais seu Agenor.
Agenor põe a mão no bolso para pegar o dinheiro. Mas, muda de ideia.
_ Osvaldo, posso pagar no próximo sábado?
_ Tudo bem. No sábado o senhor acerta.
Depois do almoço resolve ir a um dos sebos perto de onde mora. Tinha feito uma encomenda e queria ver se encontraram o livro. Mais um para sua coleção.
_ Boa tarde professor.
_ Oi, Capitu. Tem alguma coisa para mim?
_ O Dalton que o senhor procurava.
_ A Gorda do Tikri bar?
_ Esse mesmo, quase novo.
_ Quanto?
_ Dez reais também. Mesmo preço do último.
_ Vou levar. Posso pagar depois?
_ Claro professor.
Capitu se vira de costas e aproxima-se da estante. Pega livro que estava separado dos demais. Agenor não consegue não olhar para as pernas de Capitu. Dali vai para um dos bares na Presidente Faria. Precisa tomar alguma coisa e reler o livro que tanto procurava. No bar, senta-se em mesa perto da saída para a calçada. Vê uma negra, bem gorda, sentada em um dos bancos junto ao balcão do bar. Ela fuma. Não há outros clientes. Acompanha em voz baixa bolero cantado por Alcione. O garçom se aproxima.
_ Uma cerveja, Dorival. Não esquece o amendoinzinho.
_ Dalton Trevisan de novo?
_ Acabei de comprar.
_ Ontem vi ele no Passeio Público.
_ Devia estar atrás de inspiração.
Agenor pega caixa de remédios do bolso. Abre e tira um comprimido. Toma com um copo de cerveja. De um gole só. Enche o copo novamente. Começa a ler. Dorival e a gorda conversam no balcão. Alcione canta outro bolero.
_ Dorival, traz mais uma.
_ Às vezes fico em dúvida. Isso é vida mesmo? Ou só estamos na mente do escriba?
_ Não entendi seu Agenor.
_ Deixa pra lá.
Depois de algum tempo, pede a conta.
_ Dez reais. Não quer pendurar?
_ Sim.
_ Deixo anotado então.
_ Estou só com dez reais e tenho que terminar um negócio no Passeio Público.
_ Sem problemas. Outro dia o senhor paga.
_ Já tomei o azulzinho. Me sinto meio daltoniano hoje.
_ Não entendi, seu Agenor.
_ Deixa pra lá. Até mais ver.
_ Inté, seu Agenor.
Agenor caminha em direção à calçada. Vira à direita no sentido do Passeio Público. Sorri.

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