quarta-feira, 4 de maio de 2016

Histórias de Dona Kilda

Nessa tarde quente de outono atípico em Londrina, estimulo minha mãe a falar do passado. Aos 90 anos, ela confunde muitas das histórias que me contou outrora. 
Não importa. Gradativamente seu semblante vai perdendo o ar preocupado e triste. Mesmo confusa, narrar fatos que ocorreram há mais de sete décadas parece energizá-la. Seu semblante se transforma. 
Muitas histórias do Colégio Londrinense em que fez parte da primeira turma de ginásio. Lembra do gelo que duas colegas lhe deram logo no começo. Ela veio no segundo ano, em 1940, com a mudança de meus avós, tias e tios para cá. Ela ficou ainda um tempo em Jacarezinho para concluir o primeiro ano. A turma continuava a mesma do primeiro ano. Ela era a forasteira com mais dois colegas que vieram de outras cidades. Quando Estela, uma colega de classe, começou a lhe dar atenção, Silvandira e Paulina ameaçaram Estela com futuras represálias. Depois, as três se tornariam amigas inseparáveis. Por mais de 80 anos. Agora só sobraram Kilda e Silvandira. Ainda se encontram frequentemente.
Meus avós compraram uma pensão na rua Mato Grosso, entre a Maranhão e Sergipe. Alguns anos depois, um incêndio destruiu a pensão. Uma tragédia que não ceifou vidas, mas acabou com todos os bens da família. Inclusive quase toda a roupa da família. Foi o momento em que a solidariedade de vizinhos e amigos se mostrou forte. Conseguiram dois quartos em uma residência cedida por um jovem que foi morar na casa da tia. Não cobrou nada. O colégio também deixou de cobrar as taxas mensais. Apesar da tristeza, a memória guardou momentos felizes da vida na pensão. Nesse dia não houve aulas no ginásio. Colegas e professores vieram ajudar. Depois Silvandira, já amiga, conseguiu uma casa com uma de suas tias. Londrina crescia muito, e era difícil conseguir casas.
Sorri até mesmo das histórias de traições de seu pai, meu avô, e de meu pai. Homens bonitos usaram de seu charme para escapadelas fora do matrimônio. Meu avô chegou a ter uma filha com outra mulher. Mas, nunca houve contato dela com os outros irmãos e irmãs. De repente, dispara:
_ A mulherada era fogo, mas sua avô e eu não dávamos moleza. Elas davam em cima dos homens. E com você, isto também acontece? As mulheres dão em cima de você?
Desconverso. Pergunto sobre o que fizeram após o incêndio. Ela e alguns irmãos já trabalhavam e meu avô foi gerenciar uma loteadora.
Enquanto escrevo esta narrativa, ela continua falando. Fiel ao que fez a vida toda: preservou memórias de Londrina que sempre gostou de contar. Continua contando...

Nenhum comentário:

Postar um comentário