sexta-feira, 20 de maio de 2016

Distração

(Da série: Contos curitibanos)

Distraído, pensava na vida. Seu ponto de desembarque ficou para trás. Só se deu conta quando o sistema de som do ônibus informou: Próxima parada Estação Central. O jeito foi descer ali mesmo. Andava meio confuso ultimamente. Até um pouco místico.Eram seus últimos dias de férias. Não tinha nenhum compromisso, assim não se importou muito com a distração. 
Quando ficara órfão, aos quinze anos, foi morar com o avô paterno. O avô era uma figura. Não professava nenhuma crença. Mas, quando bebia uma pinga no bar, jogava a dose do santo no chão. Ele achava graça. O avô ficava bravo:
_ Me respeite menino!
Tentava retrucar. O avô não deixava:
_ Um dia você vai entender.
Ao sair da estação, dirigiu-se à esquerda, rumo à Praça Santos Andrade. Virou a esquina, mal deu três passos, a viu sentada nos degraus da lateral do prédio histórico da UFPR. Uma velha cigana, com uma saia vermelha, lenço na cabeça, também vermelho, blusa azul marinho, brincos, colares, pulseiras e anéis, todos dourados. Ao vê-lo, ela disse:
_ Preciso falar com você?
_ Comigo?
_ Sim. Estava lhe esperando.
Nesse momento lembrou-se do avô. Fazia três meses que havia morrido. Um pouco antes de morrer havia lhe falado:
_ Uma mulher vai lhe procurar. Não deixe de ouvi-la.
Perguntou quem seria a mulher. A resposta:
_ Você não conhece. Mas, vai saber quando a vir.
Desde então sonhara várias vezes com o que lhe dissera o avô. Logo ele. Raramente lembrava de seus sonhos. Agora, todo dia acordava cansado. Era como se realmente tivesse vivido os sonhos. E, ainda por cima, lembrava de todos os detalhes. Mas, estranhamente, os sonhos eram em branco e preto, sem outras cores. A cigana lhe chamou de novo:
_ Vem cá menino!
Com quase trinta anos, estranhou ser chamado de menino. No entanto, subiu os degraus assim mesmo. Sentou-se ao lado dela. Imediatamente ela pegou sua mão direita. Virou a palma para cima. Seguiu as linhas da mão com o indicador. Disse:
_ Sabia! Assim que te vi. Minha intuição não falha. É você mesmo que eu procurava. Você não vinha para cá hoje, né?
_ Como sabe disso?
_ Tenho meu jeito de fazer as coisas. Não adianta eu explicar.
_ Tá bom. O que você quer?
_ Seu avô me deixou uma missão.
_ Meu avô?
_ Sim. Antes de morrer, conversou comigo. Pediu que lhe explicasse a dose do santo.
_ Como é que é?
_ Isso mesmo! Ele nunca lhe explicou. Pediu que eu lhe explicasse. Uma vez por ano me procurava. Vinha atrás de meus conselhos. Dizia que não acreditava em nada, mas o que eu lhe falava dizia fazer sentido. Nunca lhe fez mal.
_ Não acredito! Meu avô? Ele nunca acreditou em nada!
_ Não é verdade. Isto mudou. Foi quando ele começou a sonhar em branco e preto. ainda jovem. Na primeira manhã que acordou, ao se lembrar disso, saiu pra rua. Me encontrou aqui nesses degraus. Eu vi que ele precisava me ouvir. Chamei. Ele se sentou nesse mesmo lugar que você está.
Nesse momento, ele relaxou. Esticou as pernas. Encostou os cotovelos e as costas no degrau.
_ Me conta como foi isso.
Foi uma longa conversa.

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