domingo, 13 de janeiro de 2019

A tempestade

Depois que Bóris partiu, Lorde Kennedy e sua gangue passaram por um período de tristeza profunda. O velho buldogue tinha ocupado um espaço grande no coração de todos.
Vina, em especial, era a que mais sentia sua falta. Afinal, fora ele que a resgatara quando ela caíra nas pedras do morro da Prainha. A cachorrinha desenvolvera um afeto muito especial por Bóris.
Mas, como tudo na vida, com a passagem do tempo a dor da tristeza foi diminuindo e foi substituída por uma saudade que doía vezenquando. Na maior parte do tempo, contudo, eles se lembravam com alegria das histórias que o velho soldado gostava de contar.
Foi assim que, naquele domingo chuvoso Chumbinho começou a relembrar:
_ Esta manhã chuvosa me fez lembrar da história da tempestade que Bóris nos contou, vocês se lembram?
Alemão confirmou:
_ Você tem razão Chumbinho. Essas nuvens negras no céu parecem que estão ameaçando uma tempestade parecida com a da história contada pelo Bóris.
O velho China, que estava quieto em seu canto, entrou na conversa:
_ Eu não conheço esta história! Acho que ainda não fazia parte da gangue quando meu saudoso amigo a narrou.
_ Você, realmente, ainda não estava conosco, disse Lorde Kennedy.
_ Então, me contem. Fiquei curioso.
Alemão arrematou:
_ Dama conta pra ele. Você é a melhor contadora de histórias que conheço.
E Dama começou:
_ Esta história é do tempo que Bóris estava no batalhão de salva-vidas. Foi uns dez anos atrás. A história ficou conhecida como a grande tempestade de São Chico.
Nesse momento, as águas despencaram dos céus. A gangue correu para baixo do teto da lavanderia da casa do Nego que ficava aos fundos do bar. Dama continuou:
_ Como dizia Bóris, naquele dia São Pedro tinha passado a noite arrastando os móveis. Depois, bem cedinho começou a lavar os céus com muita água. Era tanta água que comecou a inundar as ruas de Ubatuba e Enseada.
_ Bóris adorava dizer que São Pedro arrastava os móveis quando ouvia trovões, lembrou Lorde Kennedy.
E Vina ajuntou:
_ E quando comecava a chuva ele dizia que São Pedro tinha aberto as torneiras do céu.
Todos riram com um pouco de nostalgia. O velho Bóris estava no coração de cada um deles.
_ Mas, e daí? O que aconteceu? Perguntou China.
E Dama continuou a narrativa:
A tempestade tinha sido tão volumosa que as ruas ficaram inundadas. As águas subiram até um metro e meio e invadiram muitas casas.
Em uma delas, tinha ficado um bebê sozinho. O pai e a mãe, que eram muito pobres, tinham saido para trabalhar. O bebê tinha um ano de idade. Estava dormindo em seu berço. A vizinha que cuidava dele ainda não tinha chegado. As águas arrombaram a porta do casebre da família. O bercinho do bebê flutuou e saiu pela porta com o refluxo das águas.
Bóris estava ajudando no resgate das vítimas da enchente. Capitão Netuno e outro salva-vidas remavam o bote do batalhão. Bóris ia na proa atento. Estavam perto da ponte que liga Ubatuba e Enseada quando ouviram o choro do bebê. Bóris foi o primeiro a avistar o berço que já se aproximava da beirada da ponte. Mar, rio e enxurrada já tinham se misturado naquele ponto. Bóris não titubeou. Pulou e foi nadando em direção ao berço. Nadou rápido. Agarrou uma das alças do berço com as mandibulas. E comecou a retornar ao bote. Capitão Netuno e seu companheiro içaram o berço a bordo. Surpresos e felizes ao mesmo tempo, recompensaram Bóris com afagos e tapinhas no lombo do buldogue. A história saiu em todos os jornais. Os pais  do bebê ficaram muito gratos a Bóris.
Na casa do bebê tinha um cachorro que fugira de medo no dia da enchente. Era o Caliban. Além de muito feio e medroso, era ardiloso. Cego de um olho, tinha a cabeça lisa com um pelo cinza, manchado de vermelho. Depois que a familia voltou, Caliban reapareceu.
Uma vez por mês levavam Bóris para a casa deles e faziam uma festa. Nesses dias, Caliban tentava intrigar Boris com os pais do bebê. Fazia alguma arte e se escondia. Tentava por a culpa em Boris. Mas, os pais do bebê não se iludiam. Confiavam em Boris. Isto durou seis anos. Quando o bebê completou sete anos, a família mudou-se para Curitiba
_ Era assim que Bóris contava a história da tempestade, arrematou Dama.
_ É uma historia bonita. Digna de nosso velho e saudoso amigo, concluiu China.

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