sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A partida de Bóris

O inverno em São Francisco do Sul estava mais intenso do que nos anos anteriores. Nego tinha feito uma fogueira no centro do quintal aos fundos do bar naquela noite. Os sete cães dormiram ao redor dela. De manhã só restara uma fumacinha azul subindo do meio das cinzas. O calor do fogo estava se extinguindo.
Enquanto todos se espreguiçavam, Bóris só deu uma breve erguida na cabeça. Olhou para China e Chumbinho que estavam à sua frente, do outro lado do que restara da fogueira. Cerrou os olhos e abaixou a cabeça, apoiando-a nas duas patas dianteiras cruzadas.
Nenhum dos cachorros da gangue percebeu, exceto Dama que dormira ao lado de Lorde Kennedy. Esta falou pra ele:
_ Tem alguma coisa errada com o Bóris.
Lorde Kennedy olhou para o velho buldogue e mexeu com ele:
_ E aí soldado Bóris, não vai acordar?
Bóris não respondeu. Lorde Kennedy insistiu:
_ Daqui a pouco vamos dar um passeio. Você não vem?
De novo, nada de resposta. Alemão e Vina se aproximaram de Bóris. O buldogue continuava de olhos cerrados. Uma leve cutucada de Vina na barriga de Bóris não o despertou. Nesse momento, Lorde Kennedy olhou para China, que na sua sabedoria, já se tinha dado conta do que acontecera. Com uma lágrima escapando pelo canto do olho direito falou:
_ O velho soldado não está mais entre nós, Lorde Kennedy.
Nesse momento, Nego saiu pela porta dos fundos do bar e chegou com a comida matinal da gangue. Viu os seis em volta de Bóris. Ouviu o ganido triste de Dama e Vina. Enxergou Bóris na mesma posição. Corpo esticado e a cabeça repousando sobre as duas patas dianteiras cruzadas. A direita sobre a esquerda.
Nego percebeu o que tinha acontecido. Embora não tivesse certeza de que os outros cachorros o entendessem, falou como se conversasse com eles:
_ Vou buscar um caixote para acomodar Bóris. Depois vamos levá-lo para algum lugar. E entrou para dentro do bar.
Logo depois retornou com um caixotinho de madeira. Colocou Bóris dentro. E o carregou para a caminhonete. Depois que o acomodou na traseira, viu que os demais estavam ao lado da caminhonete. Se deu conta que Lorde Kennedy e sua gangue queriam se despedir do velho buldogue. Continuou como se conversasse com eles:
_ Vocês querem ir, né? Podem subir. Hoje ninguém precisa se esconder embaixo da lona.
Assim, com todos a bordo, Nego entrou na caminhonete e ligou o motor. Lembrou-se do amigo Capitão Netuno, do corpo de salva-vidas. Falou para si mesmo:
_ Acho que meu amigo Netuno gostaria de se despedir do velho Bóris.
Colocou a primeira marcha e partiu em direção ao quartel. No inverno não havia muitos salva-vidas na cidade, só quatro que eram permanentes. A maioria era voluntário. Quando chegou ao quartel, viu Netuno com os quatro soldados fazendo exercícios. Desceu e contou ao Capitão Netuno o que tinha acontecido.
Foi assim que, em uma manhã fria de inverno, o velho Bóris foi enterrado no jardim do quartel dos salva-vidas com as honras de um soldado que cumprira com sua missão. Vezenquando, Lorde Kennedy e sua gangue fazem uma visita ao jardim e lembram do dia em que Bóris comandou o resgate de Vina das pedras do morro da Prainha.

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