quarta-feira, 30 de março de 2016

Angústia

Ela surgiu de repente. Silenciosa. Ninguém percebeu. Foi para o canto esquerdo da sala. Bem ao fundo. Sentou-se. 
Me olhava diretamente nos olhos. Não fui capaz de manter o olhar. Baixei os olhos. Quando ergui, eram duas.
Idênticas. Me encaravam sem mexer um milímetro do rosto. Não piscavam. Meu olhar ia de uma para a outra. Não me arriscava a tirar os olhos delas. Um ruído na porta me fez virar a cabeça. Foi um instante. Não vi nada. Ao voltar meu olhar para as duas, eram três.
Três pares de olhos me encarando. Negros. Penetrantes. Profundamente desnorteado, tentei falar algo. Mas, nenhum som saiu de minha boca. Por que ninguém falava alguma coisa? Era como eles não as vissem. Eu não conseguia deixar de olhá-las.
O silêncio de todos me fez sentir solitário. Olhei ao redor. Todos tinham saído. Era só eu e as três. Quatro. Tinha mais uma quando olhei para elas de novo.
Me olhavam como se me examinassem. De alto a baixo. Quando uma terminava, outra começava. Parecia que me desnudavam com o olhar. Instintivamente, coloquei as mãos juntas em frente ao membro. Não senti o tecido. Olhei para baixo. Estava nu. Olhei de volta. Eram cinco.
Se levantaram. Vinham em minha direção. Pé ante pé. Sem pressa. Eu fui me afastando sem deixar de olhá-las. Lentamente também. Era como se me arrastasse. Os pés pesados. Como se estivessem amarrados. Olho para eles. Enrolados em uma corda grossa. Não quero erguer o olhar de novo. Com medo. Serão seis agora? Tenho que olhar. Venço o medo. Ninguém.
Saio da cama. Tomo um café. Na cozinha. Um ruído perto da geladeira. Ela me encara. Silenciosa. Não vou desviar o olhar.

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