domingo, 13 de março de 2016

Um convertido

É um convertido. Amigas e amigos se espantam:
_ Como que pode? Um cara tão inteligente!
Ninguém acredita. Mas, é um convertido há mais de trinta anos. Na maior parte desse tempo, ninguém prestava muita atenção. Aquilo em que acreditava não era relevante. Fazia parte de uma minoria. Ninguém dava bola.
Mas, com o passar dos anos foram surgindo novos adeptos. Ele se mantinha discreto. Não se preocupava em converter ninguém. Acreditava na livre escolha de cada um. Aprendera com seu pai e sua mãe. Nunca tentaram lhe impor nada. Respeitaram suas escolhas desde a adolescência. Foi quando decidiu que não seguiria a crença da família.
Nos últimos doze anos, os convertidos se tornaram maioria. Muita gente não gostou. Na época da última escolha, um amigo o chamou de cúmplice de um crime. Aquilo doeu. Muito. Não conseguiu entender por que cúmplice. A outra opção não era flor que se cheirasse! Os outros que fizeram aquela escolha também seriam cúmplices? Por que esse adjetivo serveria só para a escolha dele?
O rompimento foi inevitável! A reaproximação foi complicada. Ainda está sendo. Seres humanos ao sul do equador são passionais. Pouco competentes no uso da temperança.
Recentemente, os ânimos se esquentaram ainda mais. Ele fica se perguntando:
_ Por que não esperam o próximo momento de escolha? Está logo aí. Como disse Niemeyer, a vida é um minuto. Tudo passa tão depressa.
Outro dia, almoçando com amigos sentiu toda a agressividade no ar dirigida contra os convertidos. Brincou que precisaria andar com uma armadura. Na despedida, após o almoço, uma amiga lhe abraçou forte e disse:
_ Você é o único convertido de quem gosto.
Ficou sem saber se o que ouviu era bom ou ruim. Ficou feliz com o afeto da amiga. Mas, ser convertido ou não seria motivo para gostar ou deixar de gostar de alguém? Levou a dúvida consigo.
Nesses últimos dias, a situação ficou ainda mais tensa. Nas redes sociais uma troca intensa de informações contraditórias. Ele compartilha aquilo que julga adequado. A vantagem das redes sociais é que cada um lê o que quer. Não gostou, não lê. Não quer ver mais? Deixa de seguir. Simples assim.
Em uma situação, a temperança lhe sugeriu o silêncio. Mas, não seguiu o conselho. Um amigo estranhou algo que compartilhara. Resolveu explicar. Não era necessário. Cada um lê o que quer. Afinal, são versões de fatos. A busca da verdade é uma quimera. Cada convertido enxerga o que a fé não oculta.
Continua um convertido. Consciente. Muitos são também. De vários lados. Alguns não conscientes.
A vida continua. Parece que, de novo, ele não seguiu o conselho da temperança.
Que se danem! Vive ao sul do equador. É um convertido.

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