domingo, 7 de fevereiro de 2016

Três Meninos

O carrinho era de gêmeos. Tinha espaço para duas crianças. Puxado pela mão esquerda, ia um menino ao lado de um homem. Era um só menino. O homem empurrava o carrinho com a mão esquerda. Cheio de pacotes que ocupavam o lugar do menino e de outro bebê, caso houvesse. Pensei que não haveria, mas quem sabe? Na mão direita, o filho. Pareciam pai e filho. No fim da tarde curitibana eles atravessaram na faixa de pedestres em minha frente. Caminhavam na direção do Passeio Público. Pararam no meio do caminho, aguardando que o outro sinal ficasse verde novamente. No rosto do pai havia uma angústia. O filho sorria, caminhando ao lado do pai que caminhava em círculos enquanto o sinal não abria. 
O sinal abre para mim. Para eles também. Vejo os dois ficando para trás pelo retrovisor. À distância, ficam cada vez menores, mas ainda visíveis. Sem dificuldades, atingem a outra calçada. O pai faz círculos novamente. O menino sorri de novo. Parece gostar da brincadeira. Mas, no rosto do pai há uma angústia que o menino não vê. O pai olha para o Portal do Passeio, olha para a estação tubo, olha para a calçada do outro lado. Quer voltar, mas o sinal fechou. Vai ter que esperar.
O olhar angustiado do pai me persegue. Teima em não sair do retrovisor. Já virei a esquina há muito tempo, mas a imagem continua lá. Me faz lembrar de angústias esquecidas.
Em minha memória surgem meninos que vi. Um morto e um provavelmente morto. O primeiro foi em Londrina. Retornava de carro para a cidade, vindo de Curitiba. Na via expressa que liga a saída para Curitiba com a saída para São Paulo, no meio do caminho, um guri atropelado e morto. Era indígena. Provavelmente, tinha escapado da atenção do pai que estava sentado no meio fio. Não pude deixar de ver os olhinhos ainda abertos daquele menino. O único trajeto possível passava bem ao lado dele. Ninguém havia coberto aquela criança. Seus olhos me angustiaram.
O segundo foi em Maringá. Saio na sacada de um prédio no momento em que ele corre para a rua. Um carro em alta velocidade o atropela. Desesperado, o motorista sai do carro, acolhe a criança no colo, mas não encontra nenhum adulto perto dela. Pergunta de quem é a criança. Ninguém responde ou aparece. Entra no carro e a leva. Eu fico tremendo na sacada do apartamento. Sem ação! Sobrou uma angústia.
Anos depois, esse homem com um carrinho de gêmeos e um menino ao lado. Seriam reais? Na minha memória os dois meninos. Um morto, o outro talvez. Um me olhou, mas não me viu. O outro inerte nos braços de um homem desesperado. Quis o destino que eu os visse, mas eles não me viram. Foram reais. Deposito os dois no carrinho desse homem angustiado. Real ou não, como em um sonho, peço a esse homem:
_ Afasta de mim essa memória!

Nenhum comentário:

Postar um comentário