domingo, 20 de março de 2022

Crônicas na Holanda 23 - Sobre a felicidade

Aos poucos a vida parece retornar à normalidade. A partir da próxima semana, todas as últimas restrições referentes à pandemia serão postas de lado. Em especial, máscaras já não serão mais obrigatórias nos transportes públicos. E o trabalho remoto em metade do horário deixará de ser recomendado, passando a ser uma questão a ser definida entre empregados e empregadores.
Um efeito colateral positivo dessa pandemia é que aprendemos sobre os benefícios da flexibilidade nos horários de trabalho presencial. Nem sempre precisamos estar na empresa para sermos produtivos. Exceto, é claro, nas profissões em que o fruto do trabalho depende do acesso a equipamentos e materiais que só estão disponíveis no ambiente de trabalho.
De qualquer forma, precisamos do convívio periódico com nossos colegas de trabalho. Dar um bom dia, perguntar como vão as coisas, contar algo recente, ouvir histórias e, ao fim da manhã, da tarde ou do dia, dizer um até amanhã. Senti falta dessas interações corriqueiras da vida no trabalho. Dessa forma, nas últimas semanas passei a frequentar mais minha sala de estudos no Adam Smith Hall.
Na última sexta-feira, pela manhã, fiquei por quatro horas lá. Lendo, refletindo, escrevendo. É esse meu trabalho! Sou um privilegiado por ser pago para fazer o que gosto. Tem, também, as atividades de aprendizagem com alunas e alunos. Porém, aqui em Utrecht, não estou envolvido com elas. A partir de maio, retornando à UFPR, voltarei a estas atividades. Sinto falta!
Mas, enveredei por um tema que não pretendia tratar nesta crônica. Volto ao planejado. Pois então, contava sobre a última manhã de sexta-feira. Por volta do meio-dia, desliguei o computador, peguei minhas coisas, vesti a jaqueta e tranquei a sala. Após descer os quatro lances de escada, na porta da saída, encontrei um professor que ainda não conhecia. Me cumprimentou e perguntou algo em holandês. Pedi desculpas por não falar a língua dele e passamos a conversar em inglês. Ele se apresentou como Lucas, mas disse que o nome em holandês é Loek.
Ele disse que havia me visto um pouco antes e perguntou sobre mim e o que fazia por ali. Após contar-lhe sobre meu pós-doutorado e ser brasileiro, me deu as boas vindas e falou de um brasileiro que admira muito: Eduardo Suplicy. Perguntou se eu o conhecia e disse saber do papel importante que Suplicy exerceu e continua exercendo no que diz respeito à garantia de um renda mínima  a todo cidadão.
Enquanto caminhávamos na mesma direção, trocamos impressões sobre o tema e a importância da questão. Foi uma conversa rápida, mas muito agradável. Eu me dirigia ao Dining Hall, onde ficam as caixas postais. Ia verificar se havia alguma correspondência para mim. Aguardo a chegada de um livro que comprei dias atrás pela Internet. Ao chegarmos ao meu destino, nos atélogamos (revisor não corrija, por favor, é um jeito que criei para substituir "nos despedimos"). Como era uma manhã de sexta-feira, o "até logo" foi acompanhado de um "bom final de semana". Um encontro fortuito com um cara simpático. Se ficasse no trabalho remoto, não teria conhecido Loek/Lucas.
Mas, o que isso tudo tem a ver com felicidade? Afinal, o título da crônica é "sobre felicidade"! Então, quando cheguei em casa, sem o livro pois o correio ainda não entregou, fui ver notícias sobre os Países Baixos em um site que acompanho diariamente. A primeira manchete me chamou a atenção: Netherlands again ranks fifth in UN world happiness report (Países Baixo novamente em quinto lugar no Relatório Mundial sobre Felicidade das Nações Unidas).
Curioso, busquei o relatório para ter mais informações. Descobri que Finlândia, Dinamarca, Islândia e Suíça precedem os Países Baixos no ranking. E mais, o Brasil esta em 38o. lugar entre 146 países. O indicador de felicidade é baseado em respostas que uma amostra das pessoas de cada país dá para questões sobre sentimentos a respeito de sua vida e a experiência de emoções positivas e negativas.
É claro que a felicidade humana é muito complexa e um indicador deste tipo tem muitas limitações. Apesar disso, no entanto, a partir de alguns indicadores como esse e outros, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) podemos fazer comparações e pensar em como reduzir as desigualdades em nosso planeta.
É nisto que vejo a ligação entre meu encontro fortuito com Loek/Lucas e a notícia sobre o Índice mundial de felicidade da ONU. Uma das formas de diminuir a desigualdade entre nós humanos reside na garantia de uma renda básica a cada habitante de nosso planeta. E assim, nesta crônica na Holanda, rendo aqui minhas homenagens a Eduardo Suplicy, incansável defensor desta política no Brasil. Afinal, dinheiro não traz felicidade, mas ajuda, não é?

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