domingo, 13 de março de 2022

Crônicas na Holanda 22: Entre sons, letras e artes

Entre sábado e domingo, os caminhos holandeses me levaram a uma viagem pelo mundo das letras, da música e das artes plásticas.
Na vida, carrego uma frustração. Nada que me atormente profundamente, mas que gostaria de ter feito. Não há a quem culpar. Nem a quem reclamar. É simplesmente algo que não aconteceu. E que, provavelmente, poucas chances terá de ocorrer na vida futura que ainda me está destinada.
Nunca desenvolvi as artes musicais e plásticas. Não toco nenhum instrumento, não sei manusear martelo e cinzel, tampouco pincel, e não ouso cantar. Mas, admiro os que são capazes de se comunicar com a humanidade nestas artes.
Já no que diz respeito às letras, primeiro por dever de ofício e, mais tarde, por uma irresistível necessidade de me expressar, me vejo escritor. Dos textos acadêmicos, enveredei para a escrita poética e de breves narrativas, na forma de contos e crônicas. Como está que você lê agora.
Esta necessidade ficou latente em minha vida durante muitos anos. Na verdade, por décadas. Me lembro de um episódio de escrita na adolescência. Certa manhã, a professora de português solicitou uma tarefa de redação com o tema "um encontro". Naquele longínquo dia, me inspirei pelos múltiplos sentidos da palavra "encontro". Ao invés de criar uma história de um encontro premeditado ou combinado entre pessoas, narrei sobre um encontro acidental entre dois personagens que, ao virarem em uma esquina de um prédio, trombaram e se encontraram face a face. Espantados, caíram ao chão. É o que lembro da redação. É a memória mais distante que tenho de uma escrita criativa própria.
Volto, porém, aos dias atuais na Holanda. No sábado à tarde, como acontece sempre, houve a apresentação de um concerto com coral e órgão da Domkerk, principal igreja protestante de Utrecht. Além do maravilhoso som do órgão da igreja, pude desfrutar da música do coral. 
É impressionante como a voz bem treinada se transforma em um instrumento musical. As mulheres e homens do coral me emocionaram. Mesmo não entendendo as palavras que cantavam, eu tinha a impressão de ouvir um conjunto de instrumentos musicais distintos com seus tons diversos. Uma melodia que me deixou, ateu convicto, com a alma mais leve.
Hoje, domingo, visitando o Museu Vanabb em Eindhoven conheci a obra de Gülsün Karamustafa. Artista visual e cineasta nascida na Turquia que usa sua arte como uma forma de luta política nos sensibilizando para as desigualdades, inclusive as de gênero, tão presentes em nossa sociedade.
 Na fotografia que ilustra esta crônica, reproduzo a fotografia que fiz de duas obras suas que estão em exposição no museu.
Para terminar esta crônica, volto ao início da tarde de sábado. Em Utrecht, há uma ação poética de um grupo de mulheres e homens que se chama "De Letters van Utrecht", "As Letras de Utrecht". É um poema coletivo que cresce uma letra por semana por meio do registro de uma letra em pedra colocada em uma rua de Utrecht: a Oudegracht, na esquina da Smeebrug no número 279. O poema cresce na direção do Ledig Erf. 
Começou em 2 de junho de 2012 , com a colocação da pedra de número 649, junto com as 648 anteriores, que haviam sido colocadas alguns dias antes, registrando o período referente aos sábados de 1 de janeiro de 2000 a 26 de maio de 2012. Quase 22 anos de poesia continua! 
É um poema sem fim escrito para o futuro. As letras podem ser patrocinadas por qualquer pessoa que contribua com um valor em dinheiro. Neste sábado, às 13 horas, lá estava eu acompanhando a colocação de mais uma pedra. Uma doação de duas irmãs que homenageavam outra irmã falecida há cinco anos e que agora tem seu nome registrado sob a pedra com a letra "A". 
Se você buscar na Internet, encontrará o site com informações do projeto que já alcançou pouco mais de 100 metros. Fico imaginando quando o projeto estiver com um século de vida! Onde terá chegado nas ruas de Utrecht?
Antes disso, ainda planejo retornar à cidade para caminhar de novo pelas letras de Utrecht. A cada ano são 52 novas letras. Espero que meu retorno a esta cidade inspiradora não demore muito.

Um comentário:

  1. As crônicas permitem o caminhar em pensamento e, você, escritor, me permitiu caminhar agora pelas ruas de Utrecht.
    Obrigada pelas partilhas e os caminhos.

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