domingo, 9 de outubro de 2016

O outro

Se olhou no espelho. Era outro. Quer dizer, era ele mesmo. Mas, não se reconheceu. Ou melhor, não queria se reconhecer. Queria ser outro. 
Era esta a verdade. Não havia nada de errado ou mágico naquele espelho. O que via era a mesma pessoa da fotografia no celular. Não fazia nem uma hora que fizera a selfie. Não gostou do que viu. Foi atrás do espelho. A imagem refletida era dele mesmo. Se imaginava outro. Subitamente, esmurrou o espelho.
Junto aos estilhaços no chão gotas de sangue. No fragmento maior, o outro olhou para ele. Na ponta do nariz, uma mancha vermelha. O sangue. Viu um nariz de palhaço. Riu. Franziu os olhos. Enxergou melhor. Não era um palhaço. Deixou de sorrir. Saiu do quarto. Bateu a porta. Exclamou:
_ Idiota!
Sempre que passava por um espelho, a esperança renascia. Ver o outro. Nunca conseguiu. Às vésperas da morte, instruiu os amigos:
_ Quero um caixão com um espelho na parte interna da tampa. Se eu abrir os olhos, pode ser que veja outro. Os amigos atenderam o pedido. O mais cínico, justificou-se:
_ A esperança é a última que morre. Vai que...

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