domingo, 15 de abril de 2018

Fim da linha

Naquela dia, acordou mais cedo. Um sonho que inspiraria Buñuel e Dali tornara o sono agitado. Viajava de ônibus pela avenida principal da cidade. Uma passageira, idosa, acima dos 70, se transformava em uma gata cinzenta. Agressiva. Avançava contra ele. Só recuava quando ameaçada por uma faca. De onde surgira essa faca? Não conseguia localizar sua origem.
Acordava suando. Assustado. Logo adormecia novamente. O sonho se repetia. A cada ataque da gata velha ele se aproximava da catraca do cobrador. Ficava no meio do ônibus. Da última vez, notou um maço de dinheiro no chão. Presas por um elástico, eram notas de cinquenta reais. Pelo volume devia ser mais de mil reais.
No último ataque da velha gata ao invés de ameaçá-la com a faca abaixou-se. Pegou o dinheiro. Na confusão ninguém notou. A gata velha pulou por cima da catraca e saiu em disparada pela porta que se abrira. Os demais passageiros desceram. Todos. Era o ponto final.
O motorista gritou lá da frente:
_ Fim da linha. Carro vai recolher. Todos têm que descer.
Ele quis sair. Na porta, no degrau mais baixo, a velha gata. Mostrava os dentes. Não parecia agressiva. Ao contrário, parecia sorrir. Olhava para o dinheiro que ainda estava na mão dele.
O motorista acelerou, mas o ônibus não saiu do lugar. Impaciente. Falou pra ele:
_ Tem que descer meu chapa.
Pisou no primeiro degrau. A gata velha avançou. Ele escorregou. Caiu no infinito. Acordou como se estivesse caindo de verdade. Uma sensação de impotência. Lembrou do rosto do motorista no sonho. Era um rato. Igual ao que vira na tarde anterior no meio da rua.
Quis sair da cama. Não conseguiu levantar. O peito sentia a pressão de uma haste metálica. A cabeça, no lugar do travesseiro, repousava sobre uma tábua. Sem tinta. Era uma ratoeira. Imensa. Na porta do quarto, a idosa lhe sorria. Era mesmo o fim da linha?
Não. Era dia de pagar o aluguel da pensão Gata Velha. Onde os ratos se escondem!

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