domingo, 18 de junho de 2017

O farmacêutico sincero

Alguns colegas já haviam notado. Os fregueses começavam a reclamar. Mas, para ele não havia nada demais. Sempre fora assim. Se perguntava:
_ Nunca haviam percebido? 
Já trabalhava naquela rede há quase oito anos. Era uma farmácia de bairro. O mais distante do centro. Muitos clientes antigos. Quase toda semana iam comprar algum remédio. Gostavam de lhe pedir orientação sobre os medicamentos. O posto de saúde vivia lotado. Ele bem que podia ajudar. Era o que eles pensavam. Mas, de vez em quando a sinceridade dele os deixava boquiabertos.
Ele não gostava muito quando alguma frequesa chegava e falava:
_ Ando com umas tonturas ultimamente. O que pode ser?
_ Não sou médico, ele respondia. Por que a senhora não vai no posto de saúde?
A última vez fora com Seu Gervásio. Ficara viúvo há menos de um ano. Com mais de 70, enquanto a mulher vivera, a rédea fora curta. Mais de cinquenta anos juntos. Leopoldina, esse era seu nome, não dava moleza para o marido. Ciumenta. Era cinco anos mais velha que ele. Sexo era coisa do passado! Para ela. Gervásio pensava que ainda dava no coro. Queria se aventurar. Alguns amigos chamavam para ir ao Passeio Público. Mas, os dois aposentados, Leopoldina não deixava ele ir para lugar nenhum sozinho. Quando ela morreu, ele chorou. Mas, por dentro, sentia um certo alívio. Livre enfim.
Estava decidido a ir atrás das moças no Passeio Público. Um dos amigos tinha lhe recomendado que tomasse sildenafila. Ele estranhou o nome. O amigo explicou;
_ É o genérico de viagra. Nunca ouviu falar?
_ Já. Mas, nunca usei. Você sabe como a Leopoldina era. Não me dava folga. e, com ela, já não rolava nada.
_ Então, vai na farmácia e pede. Disse o amigo. Pergunta pro farmacêutico que dosagem ele recomenda. Na sua idade, acho que tem que ser pelo menos 50 miligramas.
_ Não precisa receita?
_ Não. Respondeu o amigo e se despediu. Tinha que ir na padaria.
Gervásio se empolgou com a notícia. Foi atrás do farmacêutico. Meio envergonhado, esperou a farmácia ficar vazia. Tinha uma vizinha lá dentro. Esperou ela sair. Chegou junto ao balcão e falou:
_ Tenho uma dúvida sobre um remédio. Não sei se posso usar. Uma tal de sil alguma coisa. Esqueci o nome. 
_ Para que serve? Perguntou o farmacêutico.
Gervásio ficou encabulado. Até meio corado. Deu um sorriso, meio sem jeito, e disse:
_ È para levantar o falecido. E fez um gesto com o braço de baixo para cima.
O farmacêutico deu uma gargalhada. Disse:
_ Seu Gervásio, no seu caso nem Jesus salva. Vai jogar dinheiro fora.
Gervásio insistiu:
_ Um amigo disse que é muito bom. Que funciona.
Mas, o farmacêutico estava mal humorado naquele dia. Arrematou:
_ No estoque só tem de 25 miligramas. Pro senhor tem que ser no mínimo 100. E, olhe lá. Não garanto que vá resolver.
Gervásio saiu puto da vida. Devia ter sido praga da Leopoldina. Nem morta, a desgraçada lhe dava sossego. O pior é que no bairro só tinha aquela farmácia. Mas, não desisitiu. Partiu em direção ao ponto de ônibus e disse para si mesmo:
_ Lá no centro tem um monte de farmácia. Em alguma deve ter o que preciso. É hoje! 

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