domingo, 2 de julho de 2017

O filho que virou sobrinho

Desciam pelo elevador. Iam em busca do sol na fresca manhã de inverno. No quinto andar, uma vizinha se juntou a eles. Depois do cumprimento, ela perguntou:
_ Você o conhece?
_ Claro que sim, disse a vizinha.
_ Meu sobrinho.
A vizinha olhou para ela. Entre surpresa  e espantada, ia dizer algo. Não teve tempo. Ela completou:
_ É mais que um filho!
Ele gargalhou. O elevador parou. A porta se abriu. Todos desceram. A vizinha foi conversar com o porteiro. Eles foram em direção à praça.
O sol das dez aquecia na medida certa.  Escolheram um banco. Como sempre fazia, ela comentou:
_ Vamos ver se aparece algum conhecido.
Mas,  a cidade crescera tanto. Muita gente desconhecida. Nenhum conhecido apareceu. Além disso, seus contemporâneos, pioneiros da cidade, já não estavam mais vivos. Eram lembrados no monumento aos pioneiros a poucos metros de onde sentaram. Ela era uma das últimas. Com 91 anos, estava na cidade há 77. A cidade é apenas seis anos mais velha do que isso.
Nessa idade, a memória começava a lhe falar. O filho vinha a cada três semanas. Ficava três dias. Percebia a deterioração rápida da memória dela. Ficou sem saber se a gargalhada fora genuinamente um reflexo de ouvir algo engraçado. Ou teria sido uma reação nervosa fora de controle? Ainda não tem a resposta.
À noite, após um leve jantar, percebeu que ela o tratava como se fosse uma visita. Quando disse que iria embora no dia seguinte, ela respondeu:
_ Vem mais vezes. Traz a família.
Ele respondeu:
_ Sou seu filho.
Surpresa, ela perguntou desde quando ele sabia disso. Se a família dele também sabia. Perguntou quando nasceu. Disse que ia tomar nota. Para verificar depois. Lamentou que ninguém aparecera para vê-lo.
Na manhã seguinte, ela continuou sem reconhecer o filho. Depois do almoço, ele se despediu:
_ Tchau mãe. Estou indo.
Ela repetiu, estranhando, como se fosse a primeira vez que tivesse ouvido:
_ Tchau mãe. O tom de voz era de alguém que não sabia bem o que dizer. Entre incrédula e nervosa.
A caminho da rodoviária,  andando pelas ruas quase desertas, foi pensando que não sabia como se sentia. Ainda não sabe. O que sabia  é que um dia isto poderia acontecer. Foi dessa vez.
Tenta se consolar pensando que a memória dela é tão volátil. Não deve sofrer muito. Esquece tudo tão rapidamente. Provavelmente já se esqueceu da visita do sobrinho que lhe disse que é seu filho. Carrega consigo uma certa ansiedade: quem será na próxima visita? Filho, sobrinho, ou um desconhecido?

Nenhum comentário:

Postar um comentário