quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Alter ego

Observa a vida. Muitas vezes, desapercebido, fica horas calado em seu canto. Discreto. No vestir. No caminhar leve. No falar bem calmo. Em tom baixo, quase sempre. Quase inaudível para alguns. Exceto, quando com amigos. No calor da amizade, a fala se torna mais alta. Mas, na maior parte do tempo, embora presente, é como se não estivesse. Invisível, mas não por vontade própria. Vezenquando a exclamação: Você está ai! Não tinha visto.
A resposta é um arquear de ombros, espalmando as mão para a frente dos braços quase esticados. Um pouco curvados como se fossem um par de parenteses. Contendo o silêncio de uma resposta que, se dada, seria redundância pura: Claro. Não está vendo?
Apenas move ombros, braços e mãos. Logo se esquecem dele. Se mantém observando. Deveria ter se tornado um cientista.
Mas, os caminhos da vida são estranhos. Não. Não pense que falo de destino. Nada disso! Firme convicção na escolha própria. O problema é que, vezenquando, é a escolha do possível. Não do desejado. Como já disseram, o caminho se faz no caminhar. O destino é consequência do caminho. Às vezes alvo, às vezes ponto de chegada. Nem sempre coincidem. Ele tem um amigo, estrategista, que diria que é mistura de deliberação e emergência. Planejado e decidido conforme o caso. Deliberado antecipadamente e fruto de ajustes às circunstâncias de cada momento. Concorda com ele.
Algo parecido com o que aconteceu neste trecho. A ideia era falar do que se tornou. Oposto ao que as aparências indicavam. Porém, escrevi sobre o destino que se escolhe. Mas, também, que se nos oferece. Ao final e ao cabo, uma mescla de tudo.
Quer saber? Virou escritor. Penso que por vontade própria. Mas, também,  por premência da vida. Nessa quietude que lhe marca, a escrita se tornou a fala não dita. Bendita ou maldita? Uma mistura. Vezenquando uma. Outra, noutras vezes. Acho que sua escrita é uma resposta alternativa ao arquear de ombros e espalmar de mãos. Como se afirmasse: Estou aqui sim. Preste atenção.
Pode parecer, como disse Guimarães Rosa, ao descrever um personagem em "Tarantão, meu patrão", quieto como um copo vazio. Mas, vezenquando, as letras falam por ele. Enquanto elas não se juntam em orações, períodos e parágrafos, segue prestando atenção. É o seu destino. E também seu jeito. Afinal, escritor-observador.

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