quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Truelo

Começo de viagem para o litoral paranaense. Como sempre, fui um dos primeiros passageiros a embarcar. Acomodado em um poltrona do corredor, me pus a observar a entrada dos demais passageiros e passageiras. 
Uma família de cinco pessoas ocupou as duas primeiras filas à frente, a minha direita. Mãe com um casal de filhos, a avó e o avô. A avó ditava as poltronas de cada um. Ela e a neta, à frente. Mãe e neto, logo atrás. Ao avô coube a poltrona à janela da terceira fila. Juntou-se a outro passageiro que embarcara um pouco antes.
Pai e filha passaram por mim. Ele a estimulando a localizar as poltronas 25 e 26. Ela quis saber onde estavam os números. Informada, foi lendo os números enquanto caminhava à frente do pai. 13, 14, 17, 18...
Um trio de moças foram as próximas a entrar. Ficaram em poltronas separadas. Uma à minha frente, a outra logo atrás e a terceira ao meu lado, também em poltrona de corredor. Depois de acomodadas, a última buscou algo na maleta de mão. Não encontrou. E disse para a amiga que deve ter ficado na mala maior no bagageiro. E, sentando-se, emendou: 
_ Vou ler um pouco.
Curioso, olhei na direção dela para ver que livro seria. Me surpreendi. Sidarta de Herman Hesse. Leitura de minha juventude. De Herman Hesse, guardo na memória a leitura d'O Lobo da Estepe. Pensei comigo mesmo:
_ Herman Hesse! Quem diria! 
A moça, talvez com não mais que vinte anos, abriu o livro. O marcador estava no começo. Sugeria que era uma leitura iniciada recentemente. Em torno de 40 páginas já lidas. Porém, poderia ser que fosse uma leitura iniciada há muito tempo. Quem vai saber? Só ela. 
Na minha imaginação, a vejo pegando o livro antes de sair de casa com destino à rodoviária. Ao lado da cama o livro em um móvel qualquer. Ela, de impulso, põe o livro na bolsa de crochê. E fala com as amigas:
_ Vou levar. Quem sabe consigo terminar a leitura na praia.
Ela lê um pouco. Coloca o marcador de volta na mesma página em que estava. Comenta com a amiga atrás de mim: Li duas palavras e cansei. Pega o celular. E vai pras redes sociais.
Imediatamente penso em um duelo. Sidarta contra Instagram. É uma covardia! Tenho vontade de dizer pra ela: volta pro livro. Parece que ela ouviu meus pensamentos. Guardou o celular na bolsa. Retomou a leitura. Avançou algumas páginas. Eu fiquei torcendo pela vitória de Sidarta. 
Mas eis que chega o terceiro personagem. Imbatível. O duelo vira um truelo. O sono a faz fechar o livro. Ela se ajeita na poltrona. E adormece.