domingo, 30 de setembro de 2018

O escritor e sua sina

Tudo começou na adolescência. A professora de português pediu à turma que escrevessem uma redação sobre o tema que ela definiu. Era uma coisa comum. Ele, no entanto, quis ser diferente.
Por que escrever sobre o comum? Quis transformar o comum no incomum. Foi então que surgiu seu gosto pelos duplos sentidos. Pelo sentido quase oculto. Pelo subentendido. Pelo pouco dito. Ou, ainda, pelo não dito.
Essa vontade lhe revela o jeito de ser. Tímido, busca na subversão dos sentidos, na ousadia da escrita, na surpresa do pouco comum, a atenção das pessoas. Passados mais de quarenta anos daquela escrita primeva, ainda se esconde da fala e prefere se revelar na escrita.
Outro dia quis escrever sobre o fim da linha. Ia repetir um tema já tratado em outro breve texto. Só que dessa vez seria uma memória. Se lembrou de um episódio da juventude. Com amigos, passeando em Buenos Aires, entraram no metrô. Não perceberam que haviam chegado ao fim da linha. O trem andou mais alguns metros. Parou. Veio o condutor enfurecido. Fez com que descessem e caminhassem de volta para a última estação.
Não conseguiu escrever sobre isso. Acabou contando a estória de Samuel. Costureiro que tinha que terminar um vestido. Encomendado por sua mais fiel cliente. Samuel deixou para terminá-lo no domingo à noite. A encomenda era para ser entregue na segunda de manhã. O problema é que a linha vermelha chegou ao final. Na máquina de costura, Samuel viu o carretel girando. Completamente vazio. Estava na metade do serviço. Não conseguiu entregar o vestido na segunda de manhã. Enfurecida, a cliente foi embora. Nunca mais voltou.
Em outra ocasião, queria fazer o elogio da partida. De como a vida e o destino nos fazem partir em múltiplas direções. Cada uma com suas escolhas e acasos. Intenções e desvios. De novo, não foi capaz. Uma compulsão por contar o drama de uma alma partida em pedaços pela desilusão no amor levou-o para outra estória.
E o que dizer daquela vez que quis contar sobre um nadafazer em uma boa praça curitibana? Acabou escrevendo sobre um sujeito boa praça que se apaixonou por Durval, a travesti Duda que faz ponto perto da Praça Tiradentes. De onde surgiu isso? Foi o que se perguntou ao terminar o breve texto.
Às vezes, consegue até fazer graça! Quando contou sobre aves e chuva em uma rodoviária. Ao contrário dele, elas e a chuva não eram passageiras. Ele, um passageiro à espera de seu ônibus.
Esta parece ser sua sina. Imagina uma estória e, ao cabo, escreve outra. Como agora, ao escrever cabo, já lhe veio à mente um cabo de vassoura. Uma bruxa voando nele. Um possível conto infantil. Mas, esta é outra estória. Que, além do cabo de vassoura, terá seu cabo. Quem sabe quando?
Hoje se deu por feliz. Aparentemente, sina não tem outro sentido. Ao menos que ele saiba. Conseguiu escrever sobre o que queria. Misturando o real com o imaginado. Dando a quem lê, a chance de adivinhar qual é cada um. Do jeito que gosta. Afinal, é por isto que escreve. E, também, é claro, pra chamar sua atenção. Afinal, é um tímido!

Nenhum comentário:

Postar um comentário