sábado, 24 de fevereiro de 2024

Quando abandonamos algo, ganhamos outra coisa

A frase que dá título a esta crônica parece um chavão. Ou uma frase de autoajuda. Porém, pode ser que as aparências enganem. Outro chavão? Para mim, a frase trata de algo fundamental na existência humana: a possibilidade ou a impossibilidade da escolha. Do decidir livremente. Mesmo com a possibilidade da escolha por uma compensação implícita na frase, nem sempre a escolha é possível.
A frase surgiu no diálogo entre duas mães na trama do filme "Vidas Passadas" de Celine Song que traz a história de Na Young e Hae Sung. Dois amigos de infância que se separam aos 12 anos, quando os pais de Na decidem emigrar para o Canadá, levando a garota e sua irmã. Hae, filho único, fica com os pais em Seoul. A frase é da mãe de Na ao responder à mãe de Hae sobre a mudança.
Mais à frente, quase ao final do filme, há duas frases de Nora, nome adotado por Na após a imigração, que  revelam esta tensão, ainda que sutil, entre a escolha autônoma e a aceitação resignada. Mas isto é para o final da crônica. Por enquanto, vem comigo!
Doze anos mais tarde, Nora está em Nova Iorque e descobre que Hae havia tentado contactá-la por meio de um comentário que fizera em uma página de Facebook de um filme do pai de Nora. Ela lhe manda uma mensagem e o reencontro virtual acontece. Depois de um tempo, há novo afastamento. Doze anos depois, novamente, Nora e Hae se encontram em Nova Iorque onde esta morava com o marido.
O primeiro encontro virtual me lembrou algumas experiências próprias. Entre os meus 18 e 19 anos morei em São José dos Campos, onde estudava engenharia. Entre as muitas coisas que vive nesse período, está a amizade com duas adolescentes. Nos encontravamos duas ou tres vezes por semana e, acabei me atraindo mais por uma delas. O problema é que ela, aparentemente, não tinha o mesmo interesse por mim. A outra, ao contrário, parecia que queria algo mais do que amizade comigo. E assim, ficamos naquele triângulo quase Drummondiano: fulana gosta de sicrano que gosta de beltrana. Desisti do curso em São José dos Campos e mudei-me para Campinas. Depois voltei para Londrina. A vida seguiu e nós tres nunca mais nos encontramos.
Corta para meados dos anos 90. Buscando no Orkut, uma rede da Internet da era pré-feicebuquiana, encontrei a beltrana que ainda morava em São José dos Campos. Ela, já formada, trabalhava como engenheira em uma tradicional multinacional cuja sede brasileira era naquela cidade. Trocamos algumas mensagens e marcamos um encontro no aeroporto de Guarulhos em uma ocasião que estava embarcando para algum congresso fora do Brasil. O reencontro foi legal, mas ficou uma sensação estranha. Ela já não era aquela moça que existia em minha memória. E, com certeza, eu também não era o rapaz presente na memória dela. No reencontro de Na e Hae, algo parecido aconteceu.
Almocamos juntos, depois fui para o embarque. No vôo pensei um pouco sobre o reencontro. Após meu retorno, continuamos trocando mensagens pelo Orkut ainda por um tempo. Depois perdemos, ou abandonamos, o contato.
De outra vez, reencontrei na Internet uma amiga de adolescência que não via há mais de três décadas. A mãe dela e a minha várias vezes insinuaram que poderíamos ser mais que amigos. Nunca aconteceu. Mas, já em tempos feicebuquianos, fiz contato e trocamos algumas mensagens. Descobri uma incompatibilidade ideológica entre nós e rapidamente me afastei do convívio virtual.
Pois é, o filme me trouxe estas lembranças de (des)encontros da vida passada. C'est la vie!
Porém, acabei me afastando do mote da crônica. Retomo o fio da meada: a possibilidade e a impossibilidade da escolha. Sobre isso, o filme me trouxe à memória um momento em sala de aula. Eu atuando como professor, percebi uma aluna de cabeça abaixada sobre os braços. Ela dormia. Condoído com o desconforto dela, sugeri que ela fosse para casa. E lhe assegurei: você não terá faltas e não prejudicará sua nota. Quem me conhece sabe que eu estava sendo muito sincero. No entanto, a resposta dela me deixou pasmo:
_ Professor, eu preciso estar aqui!
Por que ela não pode ir para casa? Por que tinha que ficar ali? São perguntas que nunca tive a resposta. Apenas respeitei a situação dela. Mas certamente não era uma escolha autônoma.
E, como mencionei no terceiro parágrafo desta crônica, ao final do filme, Nora dialogando com o marido, afirma:
_ Eu estou aqui e eu deveria estar aqui.
Aí está a tensão sutil que muitas vezes enfrentamos. É minha escolha ou uma imposição?

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