sábado, 8 de fevereiro de 2020

Vingança

Como foi que aquilo começou? Esta pergunta estava na mente de todos. A resposta só ela sabia. Não contaria a ninguém. Nem mesmo à outra.
Assim, eu não pude narrar nada. Também não sabia a resposta. Poderia fingir. Foi sua sugestão. Contar qualquer estória. Mas, e se ela ficasse sabendo de minha estória. Será que ficaria quieta? Me desmentiria?
Carreguei essa dúvida. Por anos. Ela manteve o silêncio. Eu também. Você, no começo, me cobrava. Às vezes, brutal até! A sua fala me doía. Você não inventa estórias? Era sua pergunta. Com aquele olhar cínico e sorriso velado.
Nao sabe como doía. Também não tem como saber. Afinal, quem já foi capaz de narrar a dor? Se alguém já foi, que me diga como! Eu ainda não sei como. Mas, esse caminho não interessa. Pelo menos nessa estória. Talvez em outra.
Estranhei quando você diminuiu a frequência da cobrança. Mas, quando eu menos esperava, você retomava a questão. Eu me calava. Não tinha o que lhe dizer. Teve momentos que quase inventei algo. Mas, o medo da reação dela me continha.
Hoje resolvi contar como tudo aquilo começou. Contei para todos. Na frente dela. A outra também estava lá. Só você não ouviu. Era seu velório.
Você, se pudesse ouvir, não acreditaria. Sabe o que ela disse? É isso mesmo. Pensei que só eu soubesse.
Se lhe serve de consolo, há outros que também não sabem como foi que aquilo começou. Mas, um dia eu me vingo de você e escrevo a narrativa. Aí, todos saberão. Menos você. Tinha que morrer tão cedo?

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